Dessa nem o MP sabia: contrato de robótica de Alegre tem atestados falsos, diz ex-vereador

Júlio César de Oliveira trouxe fatos novos à contratação: descobriu que são falsos os atestados de capacidade técnica de prefeituras de Goiás

Uma nova bomba caiu sobre a administração municipal de Alegre, na região do Caparaó, a 200 quilômetros de Vitória relacionada à contratação de uma empresa de robótica por R$ 2,1 milhões para treinamento na pasta da Educação.

O ex-vereador Júlio César Oliveira gravou um vídeo distribuído pelas redes sociais onde mostra que pediu informações às duas prefeituras de Goiás, que tiveram atestados de capacidade técnica da empresa contratada juntados ao processo, e encontrou algo surpreendente.

VEJA A FALA DO EX VEREADOR




“O contrato dá mais de R$ 10 mil por dia. Pedimos às prefeituras de Mazargão e de Rio Quente, em Goiás, que confirmassem os atestados e a resposta é de estarrecer: as prefeituras responderam que a empresa nunca prestou serviços àquelas municipalidades”, disse Júlio César.  Ou seja, os atestados de capacidade técnica do processo licitatório seriam, portanto, falsos.
 

SUSPENSÃO

A informação divulgada pelo ex-vereador vem depois de o prefeito suspender o contrato, após ser notificado pelo Ministério Público Estadual de indícios de fraude. “Acatei a determinação do Ministério Público e suspendi a execução dos serviços a partir desta quinta-feira (16). Entretanto,  vou contestar e demonstrar a vantajosidade dos serviços e os benefícios para as crianças da rede municipal de Educação”.


Assim reagiu o prefeito Nirrô Emerick (PP), de Alegre, diante da determinação do Ministério Público do Espírito Santo de  que a Prefeitura suspenda imediatamente a execução de um contrato no valor global de R$ 2,1 milhões com uma empresa de treinamento em função de irregularidades na contratação.

O prefeito Nirrô Emerick (PP) disse que suspendeu e acatou decição, mas que vai contestar


A determinação foi assinada pelo promotor Matheus Leme Novaes, da Promotoria de Alegre,  e trata do contrato nº 208/2023 de  prestação de serviços pela empresa MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda e também suspendeu os pagamentos decorrentes da contratação.


Na notificação ao prefeito e a três secretários municipais a Promotoria afirma que o documento tem natureza recomendatória e premonitória para prevenir responsabilidades civis, penais e administrativas “e, notadamente, a fim de que no futuro não seja alegada ignorância quanto à extensão e o caráter ilegal e antijurídico dos fatos noticiados.


ENTENDA O CASO


De acordo com o Ministério Público, a Administração Municipal, por meio do Processo nº 4833/2023 – Pregão Eletrônico 048/2023, promoveu a contratação da empresa MRJ  Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda para a ministração de cursos itinerantes de certificação na área de tecnologia-robótica para os alunos da rede municipal de ensino de Alegre.


O valor global contratado alcançou R$ 2,1 milhões, dos quais R$ 700 mil já se encontram liquidados e pagos. No entanto,  diversas irregularidades foram apontadas pela própria Unidade de Controle Interno do Município de Alegre-ES, segundo o promotor.


A fase prévia da contratação não foi precedida do Estudo Técnico Preliminar – ETP, conforme disciplinado no Parecer-Consulta 00019/2020-1 Plenário – TCEES, afirma a notificação.


O MP encontrou que o Termo de Referência – TR (instrumento obrigatório em qualquer processo de contratação pública) utilizado no procedimento licitatório “demonstrou-se eivado de vícios, vez que trouxe consigo expressiva semelhança com a proposta comercial apresentada pela empresa CEC Tecnologia Ltda (CNPJ 21.617.289/0001- 62) em 01/02/2023 na Prefeitura de Vila Velha, com o nome de fantasia BUS TECH, e apontando o Sr. Marcelo Tanure como executor do projeto”


Para a Promotoria, o fato revela “fortes indícios de direcionamento vez que o TR fora elaborado de forma a refletir diretamente a proposta comercial da empresa vencedora, MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda, o que caracteriza violação das Leis 8.666/1993 e 10.520/2002, cujos princípios basilares são a isonomia, impessoalidade e competitividade nas contratações públicas”.

LÍCITAÇÃO


A empresa vencedora do processo licitatório em Alegre, a MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda, também usa o nome de fantasia “BUS TECH”, CNPJ 38.496.959/0001-32, com Stefany Messias Martinelli e Raphael Ramos Leite como sócios administradores, e possui endereço de email registrado na Receita Federal como marcelo_tanure@hotmail.com.


Durante a fase de habilitação do processo licitatório, a empresa MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda declarou que o seu Responsável Técnico era Marcelo Rodrigues Tanure, “o que evidencia que ele tem ou teve vínculos com ambas as empresas, nos casos, C E C Tecnologia Ltda, que apresentou a proposta comercial para a Prefeitura de Vila Velha; e MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda, contratada pela Prefeitura Municipal de Alegre”, diz o MP.


A  ausência de ETP culminou na elaboração TR genérico, e refletiu negativamente em todos os atos subsequentes, pois nada registrou quanto à necessidade de deliberação / aprovação do Conselho Municipal de Educação, integração à matriz curricular, abrangência em relação aos alunos da rede municipal de ensino e quais escolas da rede seriam contempladas pelo projeto, destacando-se que, os objetivos, metas e competências do projeto reproduzem a proposta comercial da empresa vencedora do certame.


O MPE aponta,  ainda, que a liquidação da despesa não quantifica o total de alunos atendidos por escola x mês, e por vezes incluiu serviço estranho ao contratado, como o intitulado “colônia de férias”, no período de 15/01/2024 a 02/02/2024, que incluiu palestras, filmes e jogos que não estão alinhados com o que foi definido na contratação original, além de variações no tempo das aulas, sem critérios estabelecidos.

PAGAMENTO


Após a notícia do recebimento de “denúncia” no Ministério Público, o relatório apresentado para a liquidação do quarto pagamento trouxe informações detalhadas não apresentadas nos três primeiros, informa a Promotoria.


A formação do preço de referência do certame não foi precedida de ampla pesquisa de mercado, segundo o MP, nem não cita fontes (internet, bancos de dados de compras públicas, e-mails, contatos telefônicos, …), e as empresas que cotaram seus preços (MRJ Tecnologia Ltda – Vila Velha/ES; Jiovanne Braz da Cunha – Inhumas/GO e Vone Soluções e Serviços Ltda – Goiânia/GO) tiveram apenas seus dados incluídos nos autos sem informações adicionais.


A MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda, vencedora do certame, foi a única empresa capixaba a apresentar proposta e não há histórico de contratações públicas.HISTÓRICO


Jiovanne Braz da Cunha 93624522191 não possui registro de contratações anteriores com órgãos públicos, e Vone Soluções e Serviços Ltda, terceira proponente, possui um histórico de contratações especificamente no fornecimento de licenças de softwares a órgãos públicos, ou seja, dois desses orçamentos foram obtidos de empresas que não comprovaram estar no ramo da atividade e não demonstraram efetiva capacidade efetiva para prestação de tal serviço.


A empresa vencedora do certame, no âmbito de sua qualificação técnica, apresentou apenas capacitação técnico-profissional (demonstração da experiência do profissional indicado pelo licitante para atuar como seu responsável técnico), mas ignorou o teor dos itens 9.11.2.1, 9.11.2.2, 9.11.2.3 do edital, e nada demonstrou sobre sua capacitação técnico-operacional (comprovar, enquanto organização empresarial, sua aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação).

PROMOTOR


Para o promotor, está claro que o edital, tendo seguido as especificações da referida empresa, “claramente indica o direcionamento do procedimento licitatório”.


Em declarações prestadas pelo Secretário de Educação na Promotoria de Justiça de Alegre, é informado que o ônibus (usado para dar as capacitações) lhe fora apresentado em um evento de inovação e tecnologia na cidade de Vitória/ES, e após, foi procurado em Alegre pelo representante da empresa MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda, que possui parentes na cidade.
Para o MP, os vícios insanáveis da contratação podem ser comprovados pela  especificidade do objeto contratado e ausência de parâmetros para cotejar a prestação de tal serviço. (Da Redação)

Fonte: FOLHA DO ES