Professor da rede estadual denuncia perseguição na SRE de Cachoeiro

Redes sociais se mobilizam em defesa do professor Ériton Berçaco, destituído da direção da escola Marcondes de Souza, em Muqui. Denúncias ao MP apontam assédio moral, tráfico de influência e superfaturamento em licitações escolares.

O então diretor da EEEFM Marcondes de Souza ao lado da superintendente regional de educação, Fernanda Ferreira Villela Vieira. Foto: Redes sociais/ SEDU -

A exoneração do professor Ériton Bernardes Berçaco da direção da Escola Estadual Marcondes de Souza, no município de Muqui, provocou uma onda de indignação nas redes sociais e reacendeu graves denúncias contra a Superintendência Regional de Educação de Cachoeiro de Itapemirim. Nas últimas semanas, o nome da superintendente Fernanda Ferreira Villela Vieira passou a ser alvo de denúncias formais e públicas que apontam desde assédio moral institucional até suspeitas de tráfico de influência e superfaturamento em compras escolares.

“Perseguição sistemática” e saúde mental abalada

Com desempenho de destaque à frente da Escola Marcondes, que atingiu o maior crescimento no IDEB da regional e obteve a única redação nota 1000 do Enem na rede estadual em 2023, Ériton Berçaco afirma que sofreu uma série de retaliações desde a posse de Fernanda Villela, em dezembro do mesmo ano. 

Em denúncia assinada e entregue ao Ministério Público e à Corregedoria da Secretaria de Estado da Educação (SEDU), Berçaco aponta ao menos 13 episódios que caracterizariam perseguição direta, incluindo a retirada arbitrária de turmas da escola e alteração nas regras de avaliação dos gestores, tendo como consequência o impedimento de sua participação em programa de intercâmbio.

“O sentimento é de desmobilização da equipe, apagamento dos resultados e violência institucional”, afirma o professor. Após ser boicotado de representar sua escola em eventos e de concorrer a uma formação internacional por uma diferença de 0,7 ponto em sua avaliação funcional — nota que outros gestores ultrapassaram, segundo ele — Berçaco relata crises de ansiedade e uso contínuo de medicação desde 2024.

Denúncia no Ministério Público

O Ministério Público do Espírito Santo já instaurou procedimento para apurar as acusações. Em despacho de 2 de junho de 2025, o promotor Fábio Baptista de Souza determinou diligências para verificar se as condutas da superintendente configuram violação aos princípios da administração pública, assédio moral institucional e improbidade administrativa. A SRE Cachoeiro/ SEDU terá que apresentar justificativas para reestruturação das turmas, registros de visitas e atas de avaliação do diretor removido.

Fraudes e favorecimento familiar

Sobre uma reunião realizada com todos os diretores da SRE Cachoeiro na Escola Getúlio Vargas, em 21/08/2024, o então diretor da Marcondes de Souza relata:

Quando estávamos todos reunidos, em uma sala da escola Getúlio Vargas, Fernanda começou a falar, em tom eufórico, que haviam denunciado o marido dela (que tem empresa de prestação de serviços e venda de produtos, cujo público principal são escolas da rede de ensino). “Estão dizendo que eu ‘influencio’ (ou alguma palavra sinônima) os diretores para comprarem com meu marido”. A situação não era confortável para ninguém. Segundo Fernanda, se mexerem com a família dela, ela iria até no inferno. E que ela havia investigado o número de telefone do dispositivo do qual teriam feito a denúncia. Que quem fez a denúncia estava ali presente, e que nos próximos dias a Vivo iria informar o CPF da pessoa que fez a denúncia, e ela iria saber quem foi. O clima foi de extremo constrangimento, agravado pelo tom de voz e posturas corporais. Depois disso, Fernanda nunca mais disse sobre o tal CPF que a operadora iria disponibilizar e quem teria feito a denúncia. Sobre esse fato, todos os diretores presentes podem testemunhar.

Além do professor Ériton Berçaco, tivemos acesso a outras denúncias relacionadas com irregularidades em compras feitas pelas escolas da regional de Cachoeiro e de favorecimento da família da superintendente, mas em repeito às fontes, essas informações não serão publicadas no momento.

Pressão, intimidação e silêncio

As denúncias também incluem práticas intimidadoras por parte de Fernanda Villela, como tentativas de identificar anônimos que a denunciaram, ameaça de “queimar quem queimasse etapas” e tratamento hostil a servidores que buscavam reconhecimento fora da regional. 

Além disso, há relatos de visitas surpresas com tom fiscalizador e sabatinas com perguntas “encomendadas”, presenças de parentes da gestora em cargos estratégicos e manipulação de escutas em ambiente escolar.

Sobre uma dessas reuniões de escuta, o ex-diretor relata:

Nesta visita, inclusive, a coordenadora, que é irmã da superintendente, e atua como profissional DT na Escola, fez falas desqualificadoras da minha gestão diante dos colegas, como, por exemplo, disse que não era administradora do grupo de whatsapp Informativo Marcondes. O grupo, por alinhamento feito anteriormente, tem como administradores o trio gestor e, por já ter havido experiências desagradáveis de postagens indevidas, apenas o trio faz postagens oficiais da Escola. Há outros grupos em que todos podem interagir. Parece-me algo orquestrado, pois o que a coordenadora disse poderia ter sido dialogado com a gestão da escola anteriormente. Nota-se uma injusta forma de acirrar o clima negativo escolar. Sinto-me o tempo todo vigiado. São enviadas fotos, vídeos, para a Superintendência, sobre problemas cotidianos da escola, dando-lhes projeção negativa maior do que realmente têm.

Já sobre reunião ocorrida no último dia 21 de maio, Ériton relata:

Fui convocado na véspera para uma reunião de feedback da minha avaliação. Após as considerações do trio gestor da SRE, a superintendente alegou que minha gestão não é técnica e disse que não me quer mais na gestão. Porém, em vez de subir exposições de motivos para a Sedu, por meio de um processo de destituição do cargo, ela sugeriu que eu pedisse para sair.

Por fim, Ériton diz ter participado de uma sabatina cujo objetivo seria a sua desestruturação:

Duas supervisoras, uma Psicóloga e um Assistente Social vieram à escola, para me sabatinar, diante do profissional da Apoie que atua aqui e da coordenadora, irmã da superintendente. As perguntas estavam previamente elaboradas. Eles liam e até se confundiam com a leitura. E claramente eram perguntas encomendadas, com intenção de gerar desconforto ou me desestruturar emocionalmente. Como primo por uma gestão baseada no diálogo, nas diretrizes operacionais e nos amparos legais, evidenciei o bom trabalho que fazemos. Mas o olhar do assistente social e da coordenadora eram inquisitórios.

Ériton Berçaco não aceitou pedir para sair do cargo, e em despacho publicado no Diário Oficial do Estado na véspera do centenário da escola Marcondes de Souza, foi destituído pelo Secretário Estadual de Educação, Vitor de Amorim de Angelo.

Mobilização popular

A repercussão do caso tem gerado grande mobilização da comunidade escolar, especialmente em Muqui, onde Ériton Berçaco é amplamente reconhecido por seu trabalho educacional e social. Manifestações em apoio ao professor foram registradas nas redes sociais e grupos de WhatsApp da cidade.

Na publicação abaixo, feita na última quarta-feira (18), pessoas da cidade demonstram sua indignação nos comentários e ressaltam a competência do diretor à frente da gestão:

A Redação do Folha do ES se coloca à disposição da Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo e da SRE Cachoeiro para eventuais esclarecimentos, manifestações oficiais e direito de resposta. A expectativa é que o Ministério Público avance na apuração dos fatos nas próximas semanas.

Redação Folha do ES