
Nos tribunais ou grupos de apoio à maternidade, uma das queixas é o atraso ou a falta da pensão alimentícia. Diante desta demanda, a Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 23, Projeto de Lei que prevê a criação do “Pix Pensão”, mecanismo que automatiza o pagamento mensal da pensão via débito direto ou transferência por Pix. Para Priscila Quintiere, professora de Direito do Centro Universitário de Brasília (CEUB), a medida pode revolucionar as garantias à alimentação de crianças e adolescentes no Brasil, porém exige atenção aos limites legais e garantias ao devedor.
O Projeto de Lei 4978/2023 propõe a inclusão de um novo artigo no Código de Processo Civil que permitiria ao juiz, ao fixar a pensão, determinar uma ordem eletrônica de pagamento. Na prática, o valor seria debitado automaticamente da conta do devedor na data de vencimento e transferido, via Pix, ao beneficiário ou seu responsável legal. “A iniciativa reconhece que o depósito manual, dependente da vontade do devedor, é incerto e instável. A automação representa um avanço na efetividade da Justiça”, afirma Priscila Quintiere.
Apesar de reconhecer os benefícios da proposta, Priscila chama atenção para pontos sensíveis, a exemplo da ausência de um mecanismo claro para contestação prévia do débito automático. “Se o valor estiver errado ou o pagamento já tiver sido feito por outro meio, o devedor só conseguirá contestar depois do bloqueio. Isso pode causar transtornos sérios, principalmente para quem está com as finanças no limite”, explica.
Caso não haja saldo na conta indicada pelo devedor, o PL prevê que o sistema poderá rastrear e bloquear valores em outras aplicações financeiras, buscando garantir o pagamento integral e imediato da pensão. A especialista alerta que empresários individuais e microempreendedores individuais também podem ter suas contas empresariais atingidas, por se tratarem de empresas de responsabilidade ilimitada. “Para estes, a medida é forte e precisa de modulação para não inviabilizar economicamente o devedor que também depende do próprio negócio para sobreviver, bem como de seus funcionários.”
Na visão da professora do CEUB, a ideia central é aliviar a sobrecarga do Judiciário e garantir o sustento de crianças e adolescentes de forma mais segura, já que boa parte das ações judiciais relacionadas à pensão alimentícia decorre da inadimplência recorrente. “Com o Pix Pensão, elimina-se a necessidade de cobrar judicialmente todo mês. Se o sistema funcionar como proposto, a Justiça pode se concentrar em casos mais complexos”.
Inovação para o Judiciário e sensibilidade para o devedor
Um ponto inovador do projeto, segundo a docente do CEUB, é a determinação de coleta e divulgação regular de estatísticas sobre pensões alimentícias. Nesse sentido, o texto prevê que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os tribunais incentivem a produção de dados como valores médios de pensão, perfil das partes envolvidas, índice de inadimplência e número de bloqueios realizados.
Para a especialista, a medida tem potencial transformador, porém a proteção de dados deve ser prioridade, uma vez que envolve informações extremamente sensíveis, onde a anonimização precisa ser real e segura, com rigor da Lei Geral de Proteção de Dados. “Hoje, lidamos com percepções e dados fragmentados. Ter uma base estatística confiável permitirá formular políticas públicas mais eficazes, identificar gargalos regionais e traçar estratégias que apoiem tanto o alimentando quanto o alimentante.”
Como o PL passará por outras etapas legislativas, trata-se do momento ideal para aperfeiçoamentos. “Seria interessante incluir mecanismo prévio de contestação, antes da primeira transferência automática, para evitar erros evidentes. Também é recomendável estabelecer diretrizes técnicas, talvez com envolvimento do Banco Central e do CNJ, sobre como serão operacionalizados esses comandos judiciais, o tratamento de contas conjuntas, entre outros aspectos operacionais, além dos critérios de anonimização dos dados estatísticos e os protocolos de compartilhamento com órgãos como o IBGE e o IPEA.”
Priscila Quintiere reforça que o Pix Pensão, embora promissor, é uma ferramenta de execução em um lugar que a inadimplência da pensão pode ser indicativo de causas mais profundas, como desemprego, informalidade empresarial, desigualdade de gênero, ausência de políticas de apoio à parentalidade, ao trabalhador e ao empresário. “Precisamos de um olhar mais amplo, que vá além da coerção judicial, enfrentando também essas raízes. Com ajustes técnicos e jurídicos, o projeto pode representar um marco na execução de alimentos no Brasil, mas precisa ser combinado com políticas públicas que promovam a responsabilidade parental, o incentivo ao trabalho e à atividade empresarial para os devedores de alimentos conseguirem efetivamente garantir os direitos dos alimentandos”, finaliza a docente do CEUB.