Em um cenário hipotético, mas ancorado em fatos concretos, a liberdade de imprensa no Brasil surge sob ameaça. Imagine se Malu Gaspar, referência nacional em jornalismo investigativo no O Globo, atuasse no Espírito Santo. Caso publicasse uma reportagem de impacto semelhante à que tratou de supostas interferências no Banco Central, porém direcionada a uma autoridade local, o desfecho dificilmente se limitaria ao debate público. Ao contrário, o histórico capixaba sugere reação institucional dura e imediata.
O histórico capixaba e o roteiro previsível
No Espírito Santo, precedentes recentes indicam um padrão de resposta. O caso do jornalista Jackson Rangel, da Folha do ES, exemplifica esse risco. Diante de reportagens críticas, setores do sistema de Justiça optaram por criminalizar a apuração, não por enfrentar os fatos revelados. Nesse contexto, é plausível supor que a então Procuradora-Geral de Justiça do MPES, Luciana Gomes Ferreira de Andrade, acionaria mecanismos extremos, como a inclusão da jornalista em inquéritos de atos antidemocráticos e pedidos de quebra de sigilo de fontes.
O sigilo da fonte como pilar democrático
O sigilo da fonte, assegurado pelo artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal, sustenta o jornalismo investigativo. Sem essa garantia, denúncias de interesse público não prosperam. O caso Watergate prova isso. A proteção ao informante conhecido como Garganta Profunda permitiu a revelação de um escândalo que levou à renúncia de Richard Nixon. Portanto, quando o Estado ameaça essa proteção, ele silencia informantes e empobrece a democracia.
Quando a imprensa vira investigada
No caso Jackson Rangel, o MPES pediu a quebra de sigilo telefônico, eletrônico e telemático por seis anos, com o objetivo explícito de identificar fontes. As reportagens tratavam de supostas irregularidades no Detran-ES, sustentadas por documentos entregues por fontes protegidas. Em vez de apurar o conteúdo, a investigação mirou o mensageiro. Assim, a lógica democrática se inverteu.
Avanço institucional e decisões controversas
Além disso, a Procuradoria-Geral de Justiça acionou diretamente o STF, ignorando a competência do Ministério Público Federal. A PGR recomendou o arquivamento por ilegalidade e ausência de crime. A Polícia Federal chegou à mesma conclusão. Ainda assim, as medidas avançaram. Como resultado, o jornalista capixaba permaneceu 368 dias preso, sem denúncia formal e sem interrogatório. Posteriormente, obteve liberdade parcial, com tornozeleira eletrônica e restrições que persistem.
Arquivamentos, narrativa e reação institucional
Antes disso, a mesma procuradora arquivou as denúncias sobre as irregularidades apontadas, alegando provas ilícitas. Em seguida, requisitou inquérito para apurar a origem dos documentos. Embora setores do Judiciário capixaba tenham barrado essa estratégia, a narrativa seguiu para Brasília. O episódio culminou em denúncia da PGR no Conselho Nacional do Ministério Público, por fraude processual.
O duplo padrão e a insegurança jurídica
Diante desse histórico, emerge um duplo padrão. Jornalistas de projeção nacional encontram proteção institucional; já profissionais fora dos grandes centros enfrentam insegurança jurídica. Se Malu Gaspar fosse jornalista no Espírito Santo, o roteiro estaria pronto. Bastariam fontes sigilosas para acionar a engrenagem repressiva.
Conclusão: por que o sigilo existe
A imprensa é crítica, incômoda e essencial. Justamente por isso, a Constituição protege o sigilo da fonte. Quando essa proteção falha, não se atinge apenas um jornalista. Compromete-se o direito da sociedade à informação. Ainda bem que Malu Gaspar não nasceu jornalista no ES.
