
Em tempos de vigilância midiática constante e polarização política acentuada, é estarrecedor que um grupo de cidadãos brasileiros permaneça por quase três anos sob medidas restritivas sem acusação formal, sem processo e sem condenação — e, ainda mais grave, sem sequer atrair o interesse da imprensa ou a solidariedade de quem costuma erguer a bandeira dos direitos humanos.
Estamos falando dos capixabas presos no dia 15 de dezembro de 2022, semanas antes dos atos de 8 de janeiro de 2023 que abalaram o país. A prisão do grupo, composto por parlamentares estaduais, lideranças religiosas, profissionais da comunicação e cidadãos comuns, foi tratada à época como uma ação preventiva. Mas o que era “provisório” tornou-se uma espera kafkiana por justiça. Até hoje, nenhum deles foi formalmente acusado. O que persiste é um limbo jurídico e uma série de medidas cautelares que mutilam a liberdade e expõem o abuso da exceção.
A Procuradoria-Geral da República já se manifestou quatro vezes pelo arquivamento da ação, apontando ausência de indícios que sustentem qualquer acusação de atos antidemocráticos, associação com milícias digitais ou tentativa de subversão da ordem institucional. Mesmo assim, os envolvidos continuam sendo tratados como suspeitos de alta periculosidade, com tornozeleiras eletrônicas e restrições de espaço e tempo.
A pergunta que não quer calar é: por quê? O que justifica a manutenção de medidas tão duras diante da fragilidade ou inexistência de provas? E mais: por que a imprensa — inclusive setores autodeclarados independentes — escolheu silenciar diante desse caso, que levanta dúvidas sérias sobre o uso político do sistema de justiça?
Esses cidadãos não participaram dos atos de 8 de janeiro, mas foram inseridos, de forma arbitrária, na narrativa de um “golpe”. Suas vidas foram devastadas por uma pena imposta antes mesmo de qualquer julgamento. São vítimas da criminalização da crítica, da seletividade das instituições e da omissão deliberada de quem deveria defender o devido processo legal.
Justiça que tarda é injustiça disfarçada. E liberdade vigiada, sem prazo de expiração, é uma forma moderna de aprisionamento político. Sabe-se que a Procuradoria Geral de Justiça do ES driblou o devido processo legal e sequestrou os direitos dos críticos e denunciantes do Governo Estadual vigente, levando esta falsa narrativa direto para o Gabinete do ministro Alexandre de Moraes sem passar pela crivo regular da apreciação da Procuradoria Geral da República.
Seja qual for a motivação por trás da perseguição aos capixabas do dia 15 de dezembro, os fatos são incontornáveis: não há acusação, não há processo, não há provas — mas há punição. Isso é incompatível com um Estado Democrático de Direito.
O Brasil precisa ter a coragem de enfrentar essas contradições. E a imprensa, se quiser manter alguma autoridade moral, precisa deixar de lado conveniências ideológicas para cumprir seu papel mais nobre: dar voz a quem foi calado.
Porque hoje são os capixabas esquecidos. Amanhã, pode ser qualquer um.