O gesto de Jair Bolsonaro ao lançar Flávio Bolsonaro para a sucessão nacional não foi um movimento trivial. Foi um marco de ruptura dentro do centrão, que sempre operou pela lógica da adaptação, do pragmatismo e da barganha silenciosa. A indicação produziu um divisor interno que o bloco não esperava. O centrão vive de previsibilidade e, desta vez, foi surpreendido.
O legado do pai e o choque interno
Jair Bolsonaro construiu um capital político personalista, enraizado em identidade ideológica, narrativa de conflito e forte conexão direta com a base. Esse modelo não se transfere com facilidade, mas carrega peso suficiente para desorganizar equilíbrios tradicionais. O lançamento de Flávio funciona como teste: verifica quem está com o mito, quem está com o sistema e quem tenta equilibrar os dois mundos.
O legado paterno força o centrão a lidar com um dilema incômodo:
- ou adere ao nome indicado e se submete à lógica da família Bolsonaro
- ou tenta preservar autonomia e busca outra liderança de consenso
- ou aposta na desidratação silenciosa de Flávio para impor outro candidato mais palatável ao bloco
Nenhum desses caminhos é confortável.
A reação do mercado: pragmatismo acima da política
O mercado financeiro, ao contrário do centrão, não opera pela lógica emocional. Ele avalia risco, estabilidade e governabilidade. Flávio Bolsonaro desperta dúvidas, mas não gera pânico. A leitura predominante é fria:
- O bolsonarismo tem voto, logo não pode ser ignorado.
- Flávio não é Jair, o que reduz imprevisibilidade.
- O Congresso seguirá forte, independentemente de quem vencer.
O mercado não reage como os políticos tradicionais porque não depende de verbas, cargos ou arranjos internos. O mercado reage a regras e expectativas. E, até agora, elas permanecem intactas.
Por que o centrão ficou exposto
O centrão sempre se posicionou como árbitro do jogo, aquele que escolhe o vencedor quando a disputa está aberta. Só que Bolsonaro pai impôs um nome de cima para baixo, atropelando a liturgia tradicional. Isso expôs fragilidades do bloco:
- falta de unidade
- ausência de um nome próprio competitivo
- dependência da popularidade alheia
- receio de romper com o bolsonarismo e perder voto popular
A indicação de Flávio quebrou o conforto histórico do grupo, que sempre navegou com a bússola do poder, nunca da ideologia.
A assimilação: mercado ajusta rápido, política nem tanto
Enquanto o mercado já absorveu o movimento como parte do jogo, o centrão patina. O lançamento de Flávio Bolsonaro reordena forças, redistribui apoios e expõe quem depende do pai e quem depende do sistema.
O resultado disso é simples:
- O mercado vê um candidato com marca forte e risco controlável.
- O centrão vê um problema, porque perde o controle sobre a transição.
- Bolsonaro vê um herdeiro natural e sinaliza continuidade simbólica.
O jogo mudou e o centrão terá de mudar com ele, mesmo relutando. A indicação não resolve nada, mas inaugura uma nova fase: o bolsonarismo tenta se institucionalizar e o centrão tenta sobreviver a essa institucionalização.
