A fragilidade da advocacia no Espírito Santo e no Brasil

A advocacia, historicamente uma das carreiras mais respeitadas do país, vive tempos de crise profunda de credibilidade. No Espírito Santo e no Brasil, a categoria tem se afastado da sua função originária de defesa intransigente da justiça e dos interesses sociais, [se aproximando de zonas cinzentas do poder e da influência política]. A prática, cada vez mais comum, de advogados assumirem cargos públicos sem relação direta com suas áreas de atuação, por meio de nomeações estratégicas em órgãos executivos ou legislativos, revela uma simbiose institucional que favorece o lobby jurídico e fragiliza a confiança da sociedade no sistema de justiça.

Muitos desses profissionais atuam como procuradores municipais ou estaduais sem passarem por concursos, por meio de relações de conveniência que servem mais para atender demandas políticas do que para defender o interesse público. A proximidade, por vezes intimista, com membros do Judiciário ou com grandes empresários resulta em conflitos éticos, onde os limites entre advocacia, influência e tráfico de interesses se tornam turvos.

A Ordem dos Advogados do Brasil, por sua vez, falha no seu papel fiscalizatório. Não possui corregedoria efetiva e o Tribunal de Ética e Disciplina opera, em grande parte, como instância leniente, [reprimindo com firmeza apenas os pequenos enquanto silencia sobre os grandes]. A OAB se tornou, em muitos momentos, um braço do establishment, mais preocupada em se posicionar politicamente do que em garantir transparência em seus quadros ou combater as práticas nocivas na profissão.

Essa crise pode ser percebida na atuação quase nula da advocacia capixaba em debates públicos concretos que interessam diretamente à sociedade, como o sistema prisional, a crise de justiça seletiva, o acesso à defensoria, a corrupção institucionalizada ou a explosão de condenações judiciais por motivação ideológica. A advocacia é hoje periférica no debate público e central nas articulações para poder político e futuro acesso aos tribunais.

Escândalos e situações que envolvem a advocacia

Embora muitos casos sejam abafados, alguns exemplos emblemáticos nos últimos anos ilustram bem o processo de deterioração:

  • Operação Lava Jato: vários advogados foram envolvidos em esquemas de lavagem de dinheiro e recebimento de honorários de origem ilícita. A advocacia virou peça-chave tanto para organizar os crimes quanto para blindar investigados.
  • Caso do ex-presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous: acusado de participação em caixa 2 e outras práticas durante sua gestão. Embora tenha sido absolvido formalmente, o escândalo aprofundou o debate sobre os limites éticos das lideranças da OAB.
  • Escritórios de fachada e lobby: diversas operações policiais revelaram escritórios que faziam intermediações irregulares entre poderes públicos e empresas privadas, prática que tem crescido também em estados como Espírito Santo.
  • Escândalos de nepotismo em procuradorias municipais: no ES e em outros estados, são comuns casos de advogados ligados a prefeitos ocupando cargos-chave para garantir proteção jurídica de atos de gestão sob suspeita.
  • Advogados investigados por venda de decisões e facilitação de tráfico de influência: casos recentes em vários estados mostraram advogados que obtinham liminares mediante pagamento, em conluio com servidores públicos e magistrados.

O resultado disso tudo é uma advocacia que perdeu a ferocidade para defender o cidadão comum e passou a operar, em muitos casos, como ferramenta de elite para uso estratégico do sistema judicial. Os efeitos são devastadores: quem não tem contato, paga com a própria liberdade. Quem está bem posicionado, manipula o sistema.

A advocacia é um dos pilares da República. Quando ela se desvia da sua função pública e se torna instrumento privado de poder, deixa de servir ao bem comum e passa a compor o problema. A crise ética da advocacia não é apenas uma tragédia corporativa, [é uma ameaça à própria justiça, à democracia e à confiança da sociedade nas instituições].

Enquanto se valorizar mais o “bom trânsito” do que o mérito jurídico, o Brasil seguirá sendo o país onde o bom advogado não é o que sabe, mas o que conhece. É a falência de um tecido profissional que deveria ser o guardião da legalidade.