Violência doméstica atinge 3,7 milhões; 71% dos casos têm testemunhas

Pesquisa DataSenado/Nexus revela impacto sobre crianças, desconhecimento da Lei Maria da Penha e papel central de redes pessoais e igrejas no acolhimento

- A violência doméstica segue como uma das principais ameaças à vida das mulheres no Brasil, e, na maioria das vezes, acontece diante de outras pessoas, inclusive crianças.. Foto: Arquivo EBC

Por Thamiris Guidoni

Dados da 11ª edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada em 2025 pelo Instituto DataSenado e pela Nexus, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), mostram que entre as 3,7 milhões de brasileiras que sofreram violência doméstica ou familiar nos últimos 12 meses, 71% foram agredidas na presença de terceiros. A violência doméstica segue como uma das principais ameaças à vida das mulheres no Brasil, e, na maioria das vezes, acontece diante de outras pessoas, inclusive crianças.

Em 70% desses episódios havia crianças no local, geralmente filhas e filhos das vítimas. Mesmo assim, 40% das vítimas não receberam qualquer ajuda das testemunhas.

Maior levantamento sobre violência de gênero já realizado no país, a edição de 2025 entrevistou 21.641 mulheres com 16 anos ou mais, moradoras de todas as unidades da Federação.

Os resultados atualizam o Mapa Nacional da Violência de Gênero, plataforma pública criada pelo OMV, Instituto Natura e Gênero e Número, que integra dados e análises de diversas fontes para orientar políticas de enfrentamento à violência.

“Essa foi a primeira vez em que a pesquisa investigou a presença de outras pessoas no momento da agressão. O fato de 71% das mulheres serem agredidas na frente de outras pessoas, e, dentre esses casos, 7 em cada 10 serem presenciados por, pelo menos, uma criança, mostra que o ciclo de violência afeta muitas outras pessoas além da mulher agredida”, afirma Marcos Ruben de Oliveira, coordenador do Instituto de Pesquisa DataSenado.

53% das mulheres recebem a primeira escuta fora do Estado

A pesquisa aponta ainda que as mulheres continuam recorrendo majoritariamente a espaços privados antes de buscar apoio institucional. Em 2025, 58% procuraram a família, 53% buscaram apoio na igreja e 52% recorreram a amigas e amigos. Apenas 28% registraram denúncia em Delegacias da Mulher e 11% acionaram o Ligue 180.

Entre os recortes de fé, o dado é ainda mais expressivo: 70% das mulheres evangélicas procuraram acolhimento religioso, enquanto 59% das católicas recorreram à família.

Apenas 28% registraram denúncia em Delegacias da Mulher e 11% acionaram o Ligue 180, central de atendimento à mulher. Entre recortes de fé, 70% das evangélicas procuraram amparo religioso, enquanto 59% das católicas recorreram a familiares.

Para Beatriz Accioly, antropóloga e líder de Políticas Públicas pelo Fim da Violência Contra Meninas e Mulheres do Instituto Natura “Os números são uma fotografia da realidade do país, em que a maior parte dos casos de violência doméstica ainda é tratado na esfera privada. Eles também mostram que, no Brasil, não se enfrenta de fato a violência doméstica sem a presença das comunidades de fé, que são amplamente procuradas pelas vítimas, em especial, as evangélicas. É essencial que quem acolhe, seja um familiar, uma liderança religiosa ou uma amiga, saiba orientar com clareza sobre os caminhos e órgãos responsáveis pelo atendimento, garantindo que essa mulher se sinta segura para buscar proteção e exercer seus direitos”.

Desconhecimento da Lei Maria da Penha é maior entre quem mais sofre violência

O levantamento revela uma lacuna grave de informação: 67% das brasileiras conhecem pouco a Lei Maria da Penha e 11% desconhecem totalmente o conteúdo. O desconhecimento é acentuado entre mulheres com menor renda e escolaridade, justamente as mais vulneráveis às agressões.

As mulheres com menor escolaridade, também acreditam menos na proteção legislativa: são 33% das brasileiras não alfabetizadas e 30% das que não completaram o ensino médio que não concordam com a eficácia da lei, contra 15% das mulheres que têm ensino superior completo.

Apesar do desconhecimento sobre a Lei Maria da Penha, 3 em cada 4 brasileiras (75%) acreditam que a lei protege totalmente (27%) ou em partes (48%) as mulheres contra a violência de gênero. Outras 23% acham que não protege, e 2% não quiseram ou souberam opina.


“Os dados evidenciam que o acesso à informação pode ser um fator determinante para romper ciclos de violência. A desigualdade no conhecimento sobre a Lei Maria da Penha e sobre os serviços de proteção mostra que ainda há um longo caminho para garantir que todas as mulheres saibam onde buscar ajuda. Essa pesquisa reforça a urgência de investir em informação acessível, que chegue às mulheres nas comunidades, nos territórios e nas redes que elas já confiam”, destaca Vitória Régia da Silva, diretora executiva da Associação Gênero e Número.

Persistência do ciclo: 58% convivem com violência há mais de um ano

O estudo também revela que 58% das entrevistadas convivem com situações de violência há mais de um ano, evidenciando a dificuldade de romper ciclos marcados por medo, dependência econômica e ausência de apoio.

“Cada situação de violência deixa marcas que ultrapassam o momento da agressão. A pesquisa evidencia que a violência de gênero não é um problema isolado, mas uma questão estrutural que afeta famílias e comunidades e exige uma resposta coletiva, coordenada e permanente, capaz de contribuir para o desenvolvimento do país”, afirma Maria Teresa Firmino Prado Mauro, coordenadora do OMV do Senado Federal.

Conhecimento sobre serviços de proteção

A Delegacia da Mulher é o mecanismo mais conhecido (93%), seguida por Defensoria Pública (87%), CRAS/CREAS (81%), Ligue 180 (76%), Casa Abrigo (56%) e Casa da Mulher Brasileira (38%). O estudo aponta estabilidade geral na comparação com 2023, mas registra aumento no desconhecimento sobre CRAS e CREAS.

Para a senadora Augusta Brito, “Os dados mostram que as brasileiras que mais sofrem com a violência de gênero são justamente as que menos conhecem seus direitos e os caminhos de proteção. Isso reforça a importância de ampliar o acesso à informação e à rede de apoio, especialmente entre as mulheres com menor renda e escolaridade. Há 20 anos, o DataSenado realiza essa pesquisa para orientar o poder público e a sociedade sobre onde concentrar esforços e garantir que nenhuma mulher fique sem saber a quem recorrer”.

FONTE: ES BRASIL