'Indigno': o que acontece se Bolsonaro for condenado pelo Superior Tribunal Militar?

Após o ex-presidente ser condenado a 27 anos e três meses pelo STF, Justiça Militar deve julgar sua ‘dignidade’ de manter a patente

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Jair Bolsonaro deve enfrentar mais um julgamento após ter sido condenado a 27 anos e três meses de prisão por liderar uma tentativa de golpe de Estado. Isso porque a maioria da Primeira Turma do Superior Tribunal Federal (STF) também decidiu que o ex-presidente deverá perder a sua patente militar. Todos os oficiais das Forças Armadas condenados a dois anos de prisão podem ter sua “dignidade” em manter a patente julgada.

O ex-presidente é capitão reformado das Forças Armadas. Seja para quem está na ativa, ou quem está afastado do posto, um oficial só perde sua patente se for julgado “indigno do oficialato ou com ele incompatível”. Essa decisão parte do Supremo Tribunal Militar (STM), instância máxima da Justiça Militar.

E algo que pode levar esse mérito a julgamento é justamente a pessoa ter sido condenada, na Justiça Comum ou Militar, a uma pena privativa de liberdade superior a dois anos –como aconteceu com Bolsonaro nesta quinta-feira, 11.

Conforme explicaram juristas ouvidos pelo Terra, há alguns passos para que isso aconteça:

Primeiro, a sentença de Bolsonaro no STF tem que estar transitada em julgado, ou seja, quando estiverem esgotadas todas as possibilidades de recursos da defesa;
A partir disso, após provocação prevista do procurador-geral da Justiça Militar, em nome do Ministério Público Militar (MPM), Bolsonaro deve ser submetido a um processo que julgará a sua dignidade de manter sua patente;
No julgamento, a defesa do ex-presidente também poderá argumentar. Depois que todas as partes se manifestarem, os ministros do Superior Tribunal irão votar –e decidir por maioria simples pela perda ou não de sua patente
Pela Justiça Militar, o que pode vir a ser julgado não é a questão da trama golpista, em si, que levou Bolsonaro à condenação no STF. Mas, sim, se ele “merece” ou não seguir sendo um militar. 

“Diferente da inelegibilidade, que é imposta de forma automática pela Lei da Ficha Limpa, a perda da patente depende desse julgamento específico, que avalia também violações ao Estatuto dos Militares”, aponta Beatriz Alaia Colin, advogada criminalista e especialista em Direito Penal pela Fundação Getúlio Vargas.

“A discussão vai ser sobre valores éticos e morais dessa conduta, se ela se alinha ou não com os deveres, a honra de um oficial das Forças Armadas. É uma discussão muito mais de ética e moral do militar do que qualquer outra coisa”, explica Fabricio Posocco, professor universitário e presidente da Comissão de Direito Civil e Processo Civil da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção São Vicente/SP (OAB SV).

Já para o advogado Aldo Nunes, especialista em Direito Penal Militar, é preciso cautela com relação ao eventual processo que Jair Bolsonaro pode vir a responder no Supremo Tribunal Militar. Ele cita que, por enquanto, qualquer discussão sobre a competência da Justiça Militar é prematura, pois “somente após o trânsito em julgado é que se pode ter uma definição concreta sobre o futuro jurídico de alguém”.

No caso da trama golpista, a defesa do ex-presidente poderá apresentar eventuais recursos apenas a partir da publicação do acórdão com a decisão final do julgamento do STF — que tem até 60 dias para ser divulgada. Só após os recursos serem analisados pelo Supremo que o relator do caso, Alexandre de Moraes, pode determinar o início do cumprimento das penas. 

O que ele perde, além da patente?
Se for decretada a perda de patente, Bolsonaro será excluído das Forças Armadas, perdendo direitos a qualquer remuneração ou indenização – o salário, adicionais, gratificações e demais verbas estatutárias. Atualmente, ele recebe uma aposentadoria de R$ 11 mil do Exército.

Além disso, a perda da patente também implica a perda dos direitos inerentes ao cargo, relacionados no artigo 50 do Estatuto Militar. “Como, por exemplo, o uso de designações hierárquicas, assistência médico-hospitalar, o porte de arma, dentre outros”, complementa Colin.

Trama golpista
Jair Bolsonaro tem 70 anos e, se cumprir por inteiro a pena pelo qual foi condenado em torno da ação penal da trama golpista, a contar ainda neste ano, será um “homem livre” aos 97 anos. 

A maior parte da pena, conforme indicou o Supremo, deve ser cumprida em reclusão: 24 anos e 9 meses, referente aos crimes que preveem regime fechado. Já o restante, 2 anos e 9 meses, serão de detenção –ou seja, poderão ser cumpridos em regime semiaberto ou aberto.

A pena foi fixada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal. Os ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin acompanharam a proposta. Luiz Fux, que votou anteriormente pela absolvição de Jair Bolsonaro, optou por não contribuir para a dosimetria.

Confira o detalhamento da pena e por quais crimes responderá o ex-presidente:

  •  Liderar organização criminosa: 7 anos e 7 meses;
  •  Abolição violenta do Estado Democrático de Direito: 6 anos e 6 meses;
  •  Golpe de Estado: 8 anos e 2 meses;
  •  Dano qualificado: 2 anos e 6 meses;
  •  Deterioração de Patrimônio: 2 anos e 6 meses.
  • Bolsonaro também pagará 124 dias-multa, fixados no valor de dois salários mínimos por dia.


Além de Bolsonaro, também foram condenados na ação penal da trama golpista o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, Walter Braga Netto; ex-ajudante de ordens Mauro Cid; almirante de esquadra que comandou a Marinha, Almir Garnier; ex-ministro da Justiça, Anderson Torres; ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno; o general e ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; e o deputado federal e ex-presidente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem. Dos oito réus, apenas Anderson Torres e Alexandre Ramagem não são militares.

FONTE: TERRA