Audiência traz vozes contra o feminicídio de mulheres negras

Evento na Assembleia destacou que 62% das vítimas de feminicídio no Brasil são negras e apontou baixa representatividade feminina negra na política

Quatro mulheres são mortas por dia no Brasil e 62% das vítimas de feminicídio no país são negras. Os dados da Anistia Internacional foram citados pela deputada Camila Valadão (Psol), na abertura da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, realizada nesta quinta-feira (3), na Assembleia Legislativa (Ales). Com o tema “Violência de Gênero e Raça: desafios do enfrentamento ao feminicídio de mulheres negras no Espírito Santo”, o evento reuniu vozes importantes na luta contra esse tipo de violência.

“Dizer que nós chegamos aqui, e aí nós, me refiro a todas as jovens que aqui estão, todas as mulheres negras que aqui estão, nós chegamos aqui desobedecendo essa sociedade e resistindo desde muito jovens. Literalmente desobedecendo, porque o que estava colocado pra nós era aquilo, que dentro dessa sociedade estruturalmente racista e machista, definem como nosso papel. Então, pra que pudéssemos chegar nesse espaço hoje, a gente resistiu e desobedeceu essa estrutura bastante desigual colocada”, afirmou a presidente do colegiado.

“O nosso povo, o povo negro, sobreviveu às capturas, aos sequestros, aos açoites, às senzalas, às correntes e aos projetos inclusive de morte, de eugenia, que queria entre outras coisas, para além da nossa morte, o fim da nossa existência. (…) é nessa sociedade racista que espaços como esse aqui não eram desejados para negros e negras”, acrescentou a parlamentar. Para Camila, as cadeiras nos espaços legislativos, os bancos das escolas, universidades, e teatros, não foram projetados, tendo a sociedade naturalizado a ausência negra nesses espaços.

A deputada também lamentou a baixa representatividade na política. “Mulheres negras hoje representam apenas 8% do Congresso Nacional. E esse dado é a partir de 2023, porque até 2022 as mulheres negras representavam apenas 2%”.

A baixa representatividade feminina negra no legislativo foi tema de reflexão da idealizadora da audiência, a presidente do Instituto Elimu Kleber Maciel, Nelma Monteiro.

“Nós mulheres negras somos minoria no parlamento. E sabe o que está acontecendo com as mulheres negras parlamentares? Violência na política. Tem aí um outro braço que também a gente tem que analisar e encarar. É a violência contra a mulher negra na política”, denunciou a doutora em educação.

“Não tem como enfrentar essa questão da mulher negra, de violência contra a mulher negra, se a gente não tiver parlamentares comprometidos com essa causa. Então, nas próximas eleições, vamos analisar as escolhas dos nossos candidatos. 2026 vai ter eleições, vamos analisar a vida desses candidatos e vamos dar preferência também para os candidatos e as candidatas negras”, sugeriu a militante do movimento negro capixaba.

A especialista também falou sobre as leis já existentes no país para combater os diversos tipos de violência dos quais as mulheres negras são diariamente submetidas no país. A doutora, porém, explicou que as leis por si só, assim como os equipamentos especializados, como delegacias e procuradorias, não funcionam se não tiver representatividade nos espaços de poder ocupados majoritariamente por homens brancos. “Nós precisamos alterar esse quadro no Congresso. O Congresso brasileiro hoje tem cor. Qual é a cor? Cor branca”, concluiu Nelma Monteiro.

Defensoria Pública

A coordenadora de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Estado, Dra. Fernanda Prugner falou sobre os diversos tipos de violência existentes e lamentou que as mulheres negras liderem todas as estatísticas. “Todos os dias eu me coloco numa escuta ativa assistida das nossas usuárias da Defensoria Pública, que em sua maioria são mulheres negras e periféricas”, afirmou.

“É alarmante os dados crescentes de violência sexual e aí eu falo contra meninas e mulheres, e a gente está falando aí também de uma faixa de 10 a 17 anos, por isso que é tão importante a gente estar na escola para que elas possam se identificar, porque para além da repressão que é importantíssima, para além das responsabilidades dos autores dos dados, é muito importante, e eu sempre luto com muita força, para a prevenção porque a gente quer que essas violências não aconteçam”, complementou Fernanda.

A defensora apontou ainda que as mulheres negras são as mais impactadas pelas múltiplas formas de violência, como a doméstica, o feminicídio, a violência institucional, mas principalmente a violência obstétrica. “As mulheres negras também são as maiores vítimas de violência obstétrica. E essa violência obstétrica ainda é invisibilizada, e ainda a gente tem uma dificuldade muito grande de se falar sobre ela, por isso que a gente precisa dar visibilidade.”, concluiu.

Fernanda Prugner destacou ainda a importância da Lei da Violência Obstétrica (Lei 12.194/2024), de autoria da deputada Camila Valadão.

FONTE: FA NOTICIAS