
A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória crônica da pele que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, responsável por coceira intensa, ressecamento e lesões que impactam significativamente a qualidade de vida. Frequentemente, está associada à rinite e à asma, compondo a chamada tríade atópica. Ainda desafiante para a medicina, os avanços recentes em pesquisas estão desvendando os mistérios da DA e abrindo portas para tratamentos mais eficazes e específicos.
Novos entendimentos sobre barreira cutânea, microbioma e vias inflamatórias
A compreensão da DA evoluiu significativamente, deixando de ser vista apenas como uma condição de pele seca e passando a ser entendida como o resultado da interação entre genética, ambiente e sistema imunológico. A pele atópica apresenta uma barreira cutânea disfuncional, que perde sua função protetora contra agressores externos.
Isso leva à perda excessiva de água, facilitando o ressecamento e a entrada de alérgenos e irritantes, desencadeando respostas inflamatórias. Pesquisas atuais têm identificado proteínas e lipídios deficientes nessa barreira, o que permite o desenvolvimento de terapias voltadas à sua restauração.
Outro ponto-chave é o microbioma cutâneo, ou seja, a comunidade de microrganismos que habita nossa pele. Na DA, há um desequilíbrio com proliferação de bactérias indesejadas, como o Staphylococcus aureus, que agravam a inflamação.
Também se observa uma resposta imunológica exacerbada: o organismo reage de forma desproporcional a estímulos inofensivos. Vias inflamatórias específicas, como as mediadas pelas interleucinas (IL) 4 e 13, têm papel central na coceira e inflamação. Essa compreensão tem impulsionado o desenvolvimento de terapias específicas e mais eficazes.
Terapias biológicas e tratamento personalizado ganham espaço
Com os avanços no entendimento da doença, surgiram novas abordagens para pacientes que não respondem bem ao tratamento clássico, baseado em hidratação, corticoides, inibidores de calcineurina tópicos, imunossupressores orais e fototerapia. A principal revolução tem sido o uso dos imunobiológicos, como o dupilumabe — um anticorpo monoclonal humano IgG4 recombinante que bloqueia as vias de sinalização das IL-4 e IL-13. Essas citocinas estão diretamente envolvidas na inflamação atópica, e o bloqueio específico dessas vias tem demonstrado benefícios importantes.
Além disso, pequenas moléculas orais inibidoras da via Janus Quinase (JAK), como abrocitinibe, baricitinibe e upadacitinibe, têm se mostrado eficazes em bloquear seletivamente os sinais inflamatórios envolvidos na DA. A tendência é que as pesquisas continuem a direcionar terapias que atuem em alvos imunológicos e celulares específicos, permitindo intervenções cada vez mais precisas.
Prevenção, tecnologia e medicina de precisão
A prevenção e o cuidado individualizado ganham força na abordagem da DA, com foco em manter a doença controlada e evitar recorrências. A hidratação continua sendo a base do tratamento, com preferência por hidratantes neutros e específicos para pele atópica. Novas formulações com pH adequado, ceramidas e filagrina estão cada vez mais acessíveis e eficazes na restauração da barreira cutânea.
A identificação precoce da doença e o início de medidas adequadas ajudam a reduzir a gravidade das crises. Tecnologias emergentes, como cremes bioativos, curativos inteligentes e agentes que estimulam a produção natural dos componentes da pele, ampliam as possibilidades terapêuticas.
A medicina personalizada é o futuro. Análises genéticas e imunológicas poderão indicar biomarcadores capazes de prever a resposta aos tratamentos, permitindo que cada paciente receba a intervenção mais eficaz, com menos efeitos colaterais. A dermatite atópica é uma condição prevalente e de interesse multidisciplinar. A compreensão aprofundada de seus mecanismos e o avanço de novas terapias abrem perspectivas concretas de mais controle e qualidade de vida. A jornada já evoluiu — mas o futuro reserva ainda mais esperança.
*Por Dr. Gabriel Peres – CRM-SP 150185 | RQE 71440
Médico dermatologista e cirurgião micrográfico de Mohs, titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
FONTE: JOVEM PAN