Não produzir provas contra si pode barrar câmeras corporais na polícia?

Principal argumento é o de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si. A tese, no entanto, é criticada por juristas.

Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil -

A CSP (Comissão de Segurança Pública) da Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (17) um projeto de lei que prevê a proibição do uso de imagens de câmeras corporais de policiais como provas criminais contra agentes do Estado. O projeto segue tramitando. Principal argumento é o de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si. A tese, no entanto, é criticada por juristas.

O principal argumento do projeto de lei 2339/2024 é o de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si. O texto é de autoria do deputado Capitão Augusto (PL-SP), com relatoria do deputado Coronel Ulysses (União-AC). Ambos são, de ofício, oficiais das PMs de seus respectivos Estados.

Capitão Augusto escreveu no projeto que não pode ser admitido a utilização das imagens como provas contra PMs suspeitos de crimes.

“Não pode ser admitido que autoridades judiciárias e policiais utilizem qualquer imagem gerada por câmeras corporais dos policiais para fins de instrução de processos criminais contra os próprios policiais.”

Coronel Ulysses relatou que a utilização das câmeras é “revestida de sérios questionamentos jurídicos”. Segundo ele, policiais “correm o risco de que essas imagens sejam utilizadas para responsabilizá-los penal ou administrativamente, mesmo quando captadas sob coação”.

“A obrigatoriedade de câmeras corporais pode se tornar uma afronta direta às garantias fundamentais, comprometendo a proteção dos direitos dos agentes policiais do país”, disse o coronel Ulysses (União-AC).

O projeto de lei prevê que câmeras corporais de policiais poderão ser utilizadas em apenas duas finalidades. A primeira: treinamento e aprimoramento dos procedimentos operacionais dos agentes de segurança; a segunda: fiscalização interna e controle administrativo das ações policiais.

O texto inicial tinha apenas as PMs no escopo da proibição de utilização de imagens das bodycams. Na CSP, no entanto, os deputados aumentaram o escopo para todos os profissionais de segurança pública. Ou seja: polícias Militar, Civil, Federal, Rodoviária, Distrital e Municipal.

JURISTAS CRITICAM TEXTO

nesta terça-feira (17), a CSP da Câmara acelerou algumas pautas relacionadas à segurança pública. Especialistas entrevistados pela reportagem afirmam que bancada da bala quer usar o texto das bodycams para inocentar PMs flagrados em delito, aprovando o projeto “a toque de caixa”.

O advogado Humberto B. Fabretti, professor de Direito Penal da Universidade Mackenzie, afirma que o argumento não faz sentido do ponto de vista jurídico. “Demonstra desconhecimento sobre o sistema legal do país e sobre práticas de segurança pública”, afirma.

“No caso das câmeras não faz o menor sentido, pois as imagens não são uma colaboração do policial posterior à prática do crime, mas sim um instrumento elaborado exatamente para o controle da sua atuação”, disse Humberto B Fabretti, professor do Mackenzie.

Ainda de acordo com o professor, no que se refere às práticas de segurança pública, as câmeras corporais já são um case de sucesso. “Utilizado por todos as polícias modernas para segurança não só do policial como também do cidadão”, complementa.

O advogado Gabriel Sampaio, diretor de litigância e incidência da ONG Conectas Direitos Humanos, diz que o projeto é grave para a sociedade.

“É inconstitucional, inoportuno, descabido” e promove o “incentivo de ações abusivas, ilegais e arbitrárias de profissionais da segurança pública”, afirma.

“Todo esse debate desperta uma ideia para policiais e sociedade de que a ação abusiva tem que estar protegida. Se usam de algumas estratégias para comunicar essa ideia para a sociedade: de que o abuso não vai ser apurado”, disse o advogado Gabriel Sampaio.

Há uma outra ponta sobre o projeto. O especialista alerta que o texto, se aprovado, também vai impedir que as imagens das câmeras possam ser usadas a favor de policiais.

“Se vedar a produção de uma prova significa destruir a base do Processo Penal brasileiro. Descartar as imagens contaminaria esse modelo”, disse o advogado Gabriel Sampaio.

A desembargadora Ivana David, da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, também é crítica. Segundo ela, o texto, se aprovado, pode acabar com a funcionalidade das câmeras corporais em todo o país.

“Sem qualquer sombra de dúvidas, a lei, se aprovada, joga por terra o uso de câmeras no controle de validade da prova. Um desserviço ao sistema de segurança e Justiça”, disse a desembargadora Ivana David.

O QUE VAI ACONTECER COM O PROJETO?

Qualquer projeto precisa passar por comissões. Normalmente, depois, os projetos vão a plenário. No caso desse, a tramitação é conclusiva nas comissões. Então, não precisa ir ao plenário.

O texto foi encaminhado para a CSP e para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Já aprovado na CSP, agora, pode ser pautado a qualquer momento na CCJ da Câmara. Se aprovado na CCJ, já vai para o Senado, sem passar pela Câmara, a não ser que alguém mude o texto no Senado.

O presidente da Comissão de Segurança Pública do Senado é Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O filho do ex-presidente tem, entre seus posicionamentos políticos, a contrariedade ao uso de câmeras corporais por policiais.

RIO, None (UOL/FOLHAPRESS) – LUIS ADORNO