
Uma série de denúncias apontam que a Secretaria Estadual das Mulheres do Espírito Santo (SESM) não é um espaço saudável para as trabalhadores. Conforme reportagem publicada por ES Hoje nesta terça-feira (27), muitos são os relatos que vão de assédio moral a discriminação religiosa.
A missão institucional da SESM é promover a igualdade de gênero, a autonomia econômica e a proteção das mulheres capixabas contra a violência. Entretanto, um áudio atribuído à secretária Jacqueline de Moraes, registrou uma fala violenta quanto à população carcerária – cujo número de mulheres presas se aproxima de mil pessoas: “Preso tem que comer comida com cabelo mesmo”.Tocador de áudio
Mulheres em situação de vulnerabilidade social que moram em abrigo gerido pela SESM também clamam por socorro. Mesmo no local que deveria protegê-las de violência doméstica, as vítimas se mostram perseguidas e inseguras. Em uma carta escrita por interna, ela relata as condições dos alimentos entregues aos internos.

“Nós não podemos questionar nada, pois sofremos repressão dentro pela responsável da casa, que fala que cumpre ordens da superiora dela”.
“Ela não luta em favor das mulheres”
Uma servidora, que preferiu não ser identificar e que diz ter sido vítima de assédio por parte da Jaqueline, garante que empatia não é praticada na pasta. “A secretária posa na mídia de uma mulher acolhedora, mas, na prática, ela não é. Sinceramente, ela não protege as mulheres, ela as ofende. Ela se esquece de onde veio e que o mundo gira”, afirma.
A servidora, que é militante de políticas em defesa das mulheres e trabalha com isso há pelo menos 3 décadas, disse que a própria secretária desprestigia as trabalhadoras. “Ela tenta a todo o custo que a gente não atente as contribuições das mulheres. Ela demitiu uma pessoa com câncer. Sou militante da luta das mulheres há 35 anos, ela não luta em favor das mulheres. Ela tem a perspectiva de trabalhar as políticas públicas das mulheres no setor transversal e intersetorial. A função de uma secretária de mulheres é lidar com todas as áreas de fomento de políticas pelas mulheres. Violência contra a mulher é questão que ela ignora”, destaca.
A principal crítica a Jacqueline é que seu foco parece ser a própria imagem política, com ênfase nas eleições, desviando-se do enfrentamento efetivo das políticas contra as mulheres, conforme apontam as denúncias.
“O negócio dela é ganhar a eleição. Se alguém for contra a vontade dela, ela passa a cima. Dentro da Secretaria há relatos de gritos e humilhações. Tem muitas fragilidades e muitas mulheres em situação de vulnerabilidade social não são assistidas pela pasta. Se não fizer, o que ela quer, ela é cruel e é exonerada do cargo. Ela vai sair para ser candidata política, o papel dela dentro da Secretaria das Mulheres é só para ela galgar na política. Não em defesa das mulheres e nunca foi”.
Violência institucional
A violência institucional é qualquer conduta ou omissão praticada por agentes públicos ou por instituições (públicas ou privadas) que, no exercício de suas funções, causem danos ou constrangimentos a indivíduos, desrespeitando seus direitos e dignidade. A violência institucional é quando o próprio Estado, por meio de seus agentes (policiais, juízes, servidores públicos, etc.), causa um novo sofrimento à vítima de um crime. Ao invés de oferecer proteção e apoio, esses agentes podem submeter a vítima a situações que revivem o trauma original, causando mais dor e angústia.
“No ordenamento jurídico brasileiro se entende como violência institucional qualquer tipo de violência exercida no contexto da instituição, seja pública ou privada. Com ou sem fins lucrativos. Podendo ser praticada por pessoas de ambos os sexos e qualquer idade. Vale lembrar que, além disso, se o policial penal for hierarquicamente superior à vítima, também poderá responder por assédio, nos termos legais”, pontua a advogada criminalista e assessora jurídica da Pesquisa de Extensão Fordan da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Layla Freitas.
O próprio Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) diz que a chamada “vitimização secundária” (ou violência institucional) tem especial gravidade, já que ela é causada pelos agentes públicos que deveriam proteger a vítima no curso da investigação ou do processo
De acordo com a Lei n.º 14.321/2022, a violência institucional ocorre quando o agente público submete uma vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a “procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade, a situação de violência ou outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização”. Os responsáveis pela prática podem ser punidos com detenção de três meses a um ano e multa.
Por ser praticada pelos órgãos oficiais do Estado, a vitimização secundária pode trazer uma sensação de desamparo e frustração ainda maior que a vitimização primária. Se a vítima tiver seus direitos violados ou a dignidade desrespeitada ao buscar amparo e proteção nos órgãos oficiais do Estado, esse fato precisa ser denunciado.
Aprovada em março de 2022, a norma alterou a Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), acrescentando ao texto o artigo 15-A. O dispositivo diz que a pena pode ser aumentada em 2/3 se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização. Se o próprio agente público intimidar a vítima no curso do processo ou investigação, a pena prevista na lei poderá ser aplicada em dobro.
A presidente da Comissão de Direitos Trabalhistas da OAB-ES, Ana Paula Cerqueira, esclarece que o assédio moral no serviço público se caracteriza por “condutas abusivas, reiteradas e intencionais, praticadas por superiores hierárquicos ou colegas de trabalho, que causam humilhação, constrangimento, manipulação das condições de trabalho ou atentem contra a dignidade, integridade física ou psíquica do trabalhador/servidor público.”
Ela cita como exemplos a atribuição de tarefas humilhantes, isolamento intencional, ameaças veladas e recusa deliberada de comunicação. Cerqueira detalha quais são os meus direitos como servidor público vítima de assédio moral.
“Direito à dignidade, integridade e ambiente de trabalho saudável – previsto no Art. 1º, III e art. 5º, X e XXXV da Constituição Federal. Direito à denúncia e à apuração dos fatos, devendo denunciar: na Ouvidoria do órgão, Comissão de Ética Pública (se possuir), Corregedoria, Sindicato ou Ministério Público em casos mais graves. Direito a acompanhamento psicológico – Em diversos órgãos, a vítima pode solicitar acompanhamento psicossocial (Serviço de Saúde Ocupacional ou RH). Direito à mudança de setor (se necessário). Direito à indenização por danos morais. Direito à responsabilização do assessor: Penalidade disciplinar (advertência, suspensão ou exoneração), Ação civil ou penal (em caso de injúria, ameaça, coação, etc.)”, esclarece.
A presidente da Comissão detalha ainda como o servidor ou funcionário de empresa privada de como reunir provas eficazes para comprovar o assédio. “Anotando dados, locais, pessoas envolvidas, conteúdo dos episódios e consequências. Relacionar de forma objetiva, evitando interpretações pessoais. E-mails, mensagens, prints e documentos eletrônicos. Gravações ambientais (com a devida cautela legal) e testemunhas”, elenca.
Em conformidade com a Lei de Acesso à Informação (LAI) nº 12. 527/2011, foi solicitada em 10 de julho à Secretaria Estadual das Mulheres (SESM), a divulgação de dados por meio da Ouvidoria Geral do Estado sobre denúncias de assédio sexual ocorridas no âmbito do governo estadual. A demanda inclui informações sobre os Processos Administrativos instaurados em decorrência dessas denúncias, bem como os órgãos com maior número de registros de assédio sexual.
No dia 30 de julho a SESM informou que não possui acesso aos dados solicitados relativos ao Governo Estadual. “Portanto, sugerimos que o requerimento de informações seja encaminhado de forma individualizada para cada Secretaria, que poderá apresentar os dados corretos, de acordo com cada órgão. Esclarecemos que, concernente às denúncias de assédio sexual no âmbito da Secretaria Estadual das Mulheres, não possuímos nenhuma até o presente momento, o que inviabiliza a informação do andamento dos processos administrativos”.

A secretaria foi procurada e não respondeu até o fechamento desta reportagem.
FONTE: ES HOJE