Veja por que comer besteira é tão gostoso

Muitos estudos científicos mostram que comer em excesso esses alimentos que chamamos de ultraprocessados pode trazer doenças.

Imagine que bateu aquela fome no meio da tarde, e você tem duas opções. A primeira é um sanduíche natural, com legumes e folhas, e uma fruta com um copo d’água. A segunda é um pacote de salgadinho da sua marca favorita, um pacote inteiro de bolacha recheada e um copão de refrigerante. Qual delas você vai escolher?

A maioria das pessoas provavelmente iria na segunda opção, porque ela parece ser muito mais apetitosa. Mas por que será que as crianças (e muitos adultos) gostam tanto de comer esse tipo de comida -que todo mundo chama de “besteira” ou “porcaria”- em vez de coisas que são saudáveis?

“Esses produtos são feitos por empresas que têm muita tecnologia. Especialistas fazem esses alimentos para que eles sejam muito saborosos, cheirosos e coloridos, então eles ficam super interessantes”, diz a nutricionista Maria Alvim, pesquisadora do Nupens, um núcleo que estuda esses assuntos na Universidade de São Paulo. “Mas ali tem um monte de produtos químicos com nomes difíceis que são combinados para virar uma comida artificial.”

Sabe aquele picolé de morango bem gostoso que você toma na praia? Provavelmente não há morangos de verdade ali. Assim como as balas, guloseimas e muitos dos outros doces de frutas que você vê nas prateleiras do supermercado. Nos produtos de pacotinho, que são chamados de ultraprocessados pelos estudiosos, quase tudo é artificial: o gosto, a cor, a textura.

E é tudo recheado com muito açúcar, no caso dos doces, além de muito sal, no caso de salgadinhos e hambúrgueres prontos, por exemplo, além de muita gordura. É uma explosão de sabores que fica difícil resistir.

“Nosso organismo e o nosso cérebro gostam de açúcar, sal e alimentos gordurosos. Nosso cérebro fica muito feliz quando percebe esses sabores realçados e pede cada vez mais esses produtos”, afirma a especialista.

Além do cérebro, nossa boca também fica feliz. Na nossa língua temos pequenos órgãos, chamados de papilas gustativas, que identificam os sabores básicos: doce, salgado, azedo, amargo e umami (aquele que dá água na boca e prolonga os sabores mais gostosos). As crianças têm mais papilas gustativas do que os adultos e, por isso, sentem mais todos os tipos de sabores.

“Os alimentos industrializados têm uma combinação que traz prazer imediato. Você se sente relaxado, confortável e feliz ao comer uma barra inteira de chocolate”, diz Caroline dos Santos, nutricionista infantil.

Existe também outro motivo que leva a gente a comer tantos ultraprocessados. Ele se chama propaganda.

Já reparou que na televisão, nos anúncios de rua e na internet, as pessoas estão sempre felizes e achando tudo gostoso quando comem comidas de pacotinho? Tudo isso é pensado para nos dar muito mais vontade de tomar um suco de caixinha com a foto de um super-herói do que água, por exemplo. Alguns comerciais têm até música grudenta, que é para chamar mais atenção e ficar na nossa cabeça.

Isso tudo nos leva a sempre querer ficar comendo mais e mais besteiras, que nos parecem mais deliciosas do que qualquer outro tipo de comida.

Mas ser gostoso não significa que aquilo necessariamente faz bem. Algumas vezes, aliás, é o contrário disso.

Para começo de conversa, a energia que um pacote de salgadinho ou de biscoito dá acaba muito rápido porque não tem os nutrientes necessários para fortalecer o organismo. Isso sem falar no fato de que em geral comemos tudo sem prestar atenção, engolindo tudo aquilo no automático, o que também é muito ruim para a saúde.

Muitos estudos científicos mostram que comer em excesso esses alimentos que chamamos de ultraprocessados pode trazer doenças. De uns tempos para cá, começou-se a observar que alguns problemas que só atingiam os mais adultos, como obesidade e diabetes, começaram a surgir entre pessoas cada vez mais jovens. E muitos cientistas atribuem isso ao consumo dessas comidas de pacotinho.

Veja por que comer besteira é tão gostoso
Chocolates – reprodução

No Brasil, uma a cada dez crianças de até 5 anos está com sobrepeso. E acredita-se que até 2035, metade das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos pode enfrentar a obesidade -além tudo de ruim que vem com ela.

Agora, se esses tais ultraprocessados são tão gostosos, como a gente faz para começar a comer mais produtos naturais e que fazem bem para a saúde?

Bem, nosso paladar pode mudar ao longo da vida. É claro que todo mundo gosta de um docinho, mas podemos treinar as nossas papilas gustativas a gostar mais de brócolis, de cenoura, de chuchu e de pimentão, por exemplo.

O segredo é experimentar os alimentos em várias formas diferentes: cozidos, crus, assados, com temperos variados, com arroz e feijão, com salada, com macarrão, com molho vermelho ou com molho branco, combinando com carne ou com outro vegetal.

Com o tempo dá até para ir achando um jeito mais gostoso de comer algo de que antes você não gostava.

“Os soldados que vivem na nossa barriga não precisam de ultraprocessados para ficar fortes, eles precisam de alimentos de verdade todos os dias para crescer”, diz Caroline dos Santos, a nutricionista infantil. “Tudo o que é de pacotinho a gente deve comer só de vez em quando, com muita moderação, ou então nem come”, aconselha.

Nunca é tarde para mudar. Se você gosta de chocolate, por exemplo, por que não misturar com uma fruta?

Para explorar opções saudáveis, vale a pena ficar de olho no que acontece na cozinha da sua casa e pedir para ir ao supermercado com seus pais para conhecer melhor os alimentos.

Já reparou que às vezes uma uva está mais doce do que outra? E já viu quantos tipos de abobrinha existem? Como os tomates podem ter tamanhos e cores diferentes? Banana não tem uma só, são vários tipos que podemos comer.

Pedir para os seus pais para participar do preparo das comidas pode ser muito legal. Aprender uma receita que está na sua família há várias gerações pode te dar uma história muito interessante para contar, ajuda a preservar a memória dos seus ancestrais.

A hora de comer também não precisa ser chata e silenciosa. Você pode inventar um jogo ou uma brincadeira de palavras com a sua família em casa ou com os amigos na hora do recreio. Se você tem um brinquedo favorito, por que então não convidá-lo à mesa para comer com você?

Hora de comer também não é hora de ver televisão ou de ficar jogando em tela. Procure prestar atenção na comida para perceber quando a sua barriga indicar que não está mais com fome. Se você não olhar o que está comendo, pode acabar comendo mais do que o necessário. Ou vai comer de menos e ficar com fome de novo.

Por fim, tem uma outra questão. O planeta também adoece quando só comemos alimentos ultraprocessados

“Gera muito lixo, porque as embalagens quase sempre são de plástico, que podem ir parar nos oceanos, assim como os resíduos das fábricas onde esses produtos são fabricados, o que prejudica os animais marinhos”, afirma a pesquisadora Maria Alvim.

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – LETÍCIA NAÍSA – ESHOJE