O Brasil vive uma transformação silenciosa nas relações familiares. Pela primeira vez desde o início das medições do IBGE, em 1960, a união consensual, quando um casal vive junto sem formalizar o casamento no cartório ou na igreja, superou o casamento civil e religioso como o tipo mais comum de relação conjugal no país.
Segundo o Censo 2022, divulgado nesta quarta-feira (5), 38,9% dos brasileiros com 10 anos ou mais que têm algum tipo de união vivem dessa forma, contra 37,9% que declararam ter casado tanto no civil quanto no religioso.
Em 2010, o cenário era o inverso: o casamento formal liderava com 42,9%, e a união consensual estava em 36,4%.
Queda do casamento formal e avanço da informalidade
Além da perda de espaço do casamento duplo, o casamento apenas civil cresceu de 17,2% para 20,5%, enquanto o casamento exclusivamente religioso recuou de 3,4% para 2,6%.
A pesquisa abrange pessoas com 10 anos ou mais que vivem em algum tipo de relação conjugal — embora a legislação brasileira só permita casamento a partir dos 16 anos, com autorização dos pais ou responsáveis.
Renda influencia o tipo de união
Os dados mostram que a união consensual é predominante entre pessoas de menor renda.
Entre aqueles que vivem com até meio salário mínimo per capita, 52,1% optam por esse tipo de relação. Já entre os que ganham acima de cinco salários mínimos, o percentual cai para 24,1%.
Segundo Luciene Longo, analista do IBGE, o custo do casamento formal pesa na decisão:
“Casar formalmente é caro. Isso faz com que pessoas com renda mais baixa optem por uma união informal, sem toda a pompa e circunstância”, afirma.
No extremo oposto, entre os mais ricos, 54,3% dos casais mantêm casamento civil e religioso, demonstrando que a formalização ainda está associada ao poder aquisitivo.
Fenômeno mais jovem
A mudança também reflete um comportamento geracional.
Entre os que vivem em união consensual, 24,8% têm entre 20 e 29 anos e 28,5% entre 30 e 39. Já os casamentos formais são mais comuns entre idosos com 60 anos ou mais (31,8%).
“Podemos afirmar que a união consensual é um fenômeno mais jovem”, reforça Luciene.
Casos reais
O casal Weslley Bermejo, 32, e Keila Rodrigues, 26, ilustra essa tendência. Sócios de um instituto de emagrecimento e performance em São Paulo, eles vivem em união estável há um ano.
“Nossa rotina ficou muito parecida, e a união estável era o que fazia mais sentido”, diz Keila.
“Além do aspecto afetivo, facilita questões práticas como plano de saúde e dependência”, completa Weslley.
Eles ainda pretendem oficializar o casamento futuramente, “com uma cerimônia simbólica”.
Mudança cultural em curso
Os números do Censo confirmam uma mudança cultural profunda: o modelo tradicional de casamento, antes dominante, vem sendo substituído por relações mais flexíveis, práticas e menos formais — reflexo de um país mais urbano, digital e plural.
Enquanto o casamento perde status de obrigação social, a união consensual se consolida como a nova forma majoritária de convivência afetiva no Brasil contemporâneo.