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Até a metade do século, o câncer de mama deve atingir 3,2 milhões de pessoas em todo o planeta, resultando em mais de 1 milhão de mortes anualmente. Esses números representam um aumento de 38% na incidência e 68% na mortalidade da doença.
O prognóstico, segundo especialistas, é ainda mais preocupante em países com menores índices de IDH, onde os sistemas de saúde enfrentam gargalos para monitorar os pacientes e atender às demandas. Os dados são resultado de uma projeção realizada em colaboração por pesquisadores australianos, franceses e quenianos, e publicada na prestigiada revista científica Nature Medicine.
Devido à falta de monitoramento e à subnotificação em algumas partes do planeta, não se sabe, hoje, o número exato de casos da doença no mundo. Reunindo informações sobre tumores invasivos primários em 185 países da base de dados Globocan 2022, os autores estimaram a incidência do câncer em 2022 na primeira etapa do trabalho.
Os cálculos apontaram para 2,3 milhões de novos casos e 670 mil mortes em todo o mundo em 2022. Se não forem revertidos, esses números indicam que um em cada 20 mulheres receberá o diagnóstico de câncer de mama ao longo da vida, enquanto um em cada 70 morrerá devido à doença. Quando comparadas aos anos anteriores, essas proporções têm aumentado.
As desigualdades, entretanto, revelam uma faceta ainda mais dura dessa realidade. Os países mais desenvolvidos apresentam um número maior de diagnósticos, o que possibilita maior acesso ao tratamento, graças a uma infraestrutura adequada e à implementação de políticas públicas. Na França, por exemplo, uma em cada nove mulheres deve ter o câncer identificado ainda em vida. Na América do Norte, essa proporção também é alta: uma em cada dez.
Por outro lado, os países de menor renda enfrentam taxas de mortalidade mais elevadas. Em Fiji, estima-se que uma em cada 24 mulheres morrerá de câncer de mama, enquanto no continente africano essa proporção é de uma em cada 47. Tais índices, superiores à média mundial, evidenciam o acesso precário ao diagnóstico adequado e ao tratamento eficaz.
As projeções para 2050 consideraram tendências demográficas e epidemiológicas, baseadas na análise de dados ao longo de dez anos, utilizando informações da base CI5plus, que reúne registros populacionais de 108 países, majoritariamente de alta renda, combinados com dados de mortalidade do Banco de Dados de Mortalidade da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Essa abordagem permitiu avaliar 50 países quanto à incidência e 46 em relação à mortalidade, sofrendo limitações na cobertura de registros em regiões de baixo IDH. Os resultados indicam um aumento de 38% na incidência e 68% na mortalidade da doença em todo o globo.
No Brasil, a realidade também é desafiadora. Neste triênio (2023-2025), cerca de 73.610 mulheres terão suas vidas impactadas pelo diagnóstico da doença, segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer). Francianne Rocha, pesquisadora da Ufpa (Universidade Federal do Pará), destaca que “a resposta está no acesso ao diagnóstico precoce, que eleva as chances de cura”.
Para isso, a professora reforça a necessidade de campanhas de rastreamento mamográfico, conscientização sobre autocuidado e políticas públicas que incentivem hábitos saudáveis. Um estudo brasileiro de simulação revelou a eficácia de diferentes protocolos de rastreamento mamográfico, comparando o número de mortes evitadas com as mortes potencialmente causadas pelo próprio rastreamento.
Dentre os protocolos avaliados, o mais eficiente foi o rastreamento bienal para mulheres de 60 a 69 anos, que evitou quase três vezes mais mortes do que o rastreamento para mulheres na faixa de 50 a 59. Os dados também mostram que o número necessário de mulheres a serem convocadas foi três vezes menor entre aquelas de 60 a 69, quando comparado ao rastreamento anual para mulheres de 40 a 49 anos.
No entanto, a redução estimada na mortalidade por câncer de mama no Brasil para o grupo de 50 a 69 anos foi metade da estimada no Reino Unido, evidenciando desafios específicos do contexto brasileiro.
Segundo Jeane Nogueira, mastologista do hospital universitário da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), as altas taxas de mortalidade no país estão relacionadas à falta de acesso à informação. “Existem mamógrafos no país para essa cobertura, mas as pacientes mais carentes, que dependem do SUS, não tendo o conhecimento, não buscam [os exames]”, afirma.
Dentre esses desafios, destacam-se as disparidades socioeconômicas dentro do país. Um estudo de coorte nacional, publicado no ano passado, avaliou 60 mil mulheres com câncer de mama em diferentes estágios que iniciaram tratamento entre 2008 e 2010 e se autodeclararam brancas, pretas ou pardas. Os dados foram coletados a partir de sistemas de informação do SUS (Sistema Único de Saúde).
Os resultados mostram que, no Brasil, a probabilidade de sobrevivência em cinco anos foi maior para mulheres brancas (74%) em comparação com mulheres pretas (64%). Em modelos de regressão ajustados, mulheres pretas tiveram um risco 24% maior de morte por todas as causas em comparação com mulheres brancas na ausência de terapia hormonal, e um risco 25% maior na presença desta.
BARRA MANSA, RJ (FOLHAPRESS) – ACÁCIO MORAES