
No lugar de protetor solar, óleo de coco. Em vez de FPS 50, manteiga de karité. E no feed, milhões de curtidas. A nova tendência batizada de “Nosunscreen” — termo que rejeita explicitamente o uso de filtro solar — vem ganhando força entre a geração Z, especialmente no TikTok. A promessa é sedutora: cuidar da pele de forma “natural” e “livre de químicos”. A realidade, segundo dermatologistas ouvidos pelo Metrópoles, é bem mais dura e perigosa.
As hashtags #AntiSunscreen e #NoSunscreen já somam mais de 18 milhões de visualizações na plataforma. Influenciadores, muitos ainda na adolescência, têm incentivado o abandono total do protetor solar, alegando que ele “bloqueia a absorção de vitamina D” ou “contêm substâncias tóxicas”. No lugar, recomendam alternativas naturais que não têm qualquer comprovação científica de eficácia contra os danos do sol.
Para os especialistas, esse tipo de conteúdo é mais do que um equívoco estético: é um risco real à saúde pública. No Brasil, país com incidência solar intensa durante o ano inteiro, o câncer de pele representa cerca de 30% de todos os tumores malignos diagnosticados. Abandonar a fotoproteção, especialmente desde cedo, pode abrir caminho para uma geração mais vulnerável às doenças da pele e aos danos cumulativos da radiação ultravioleta.
“Essa prática pode parecer inofensiva agora, no entanto, os efeitos se acumulam ao longo dos anos”, alerta a dermatologista Cristina Salaro. “Estamos falando de queimaduras, manchas, envelhecimento precoce e, principalmente, câncer de pele. Os danos causados pela radiação solar são irreversíveis — e podem ser fatais.”
Um perigo com cara de skincare
Parte do apelo do “Nosunscreen” está justamente na estética: vídeos com filtros dourados, corpos bronzeados e embalagens de produtos naturais criam a ilusão de saúde e bem-estar. Trata-se de uma ilusão perigosa. “Óleos vegetais e manteigas podem hidratar a pele momentaneamente, mas não oferecem proteção real contra os raios UVA e UVB”, explica a dermatologista Vivian Amaral.
Ela lembra que estudos sérios já comprovaram que o uso diário de protetor solar reduz em até 40% a incidência de câncer de pele e também ajuda a evitar o fotoenvelhecimento. “Essa ideia de que o protetor é mais prejudicial que o sol não tem fundamento. É desinformação disfarçada de estilo de vida saudável.”
De fato, análises de laboratório mostram que produtos como óleo de coco, rosa mosqueta ou manteiga de karité têm FPS muito baixo — geralmente inferior a 5, o que é insuficiente para proteger a pele de qualquer dano solar significativo.
“O que estamos vendo é uma mistura de desconfiança nos cosméticos, busca por naturalidade e uma avalanche de conteúdos não verificados circulando nas redes”, afirma Vivian. “O sol não deixa de queimar só porque você viu um vídeo dizendo isso.”
Sol, curtidas e consequências
O dermatologista Lucas Azevedo aponta que o abandono do protetor solar pode desencadear desde reações imediatas até doenças crônicas graves.
“As consequências agudas do abandono do protetor incluem vermelhidão, dor e até bolhas. A exposição solar desprotegida também pode facilitar infecções, reativar quadros como herpes e agravar doenças, a exemplo de lúpus ou urticária solar”, explica.
Segundo ele, os efeitos crônicos são ainda mais preocupantes: flacidez, rugas profundas, hiperpigmentações como melasma e sardas, e três tipos principais de câncer de pele: o carcinoma basocelular, o espinocelular e o melanoma, este último o mais agressivo e potencialmente fatal.
“É um risco real e documentado. Já é consenso nos guidelines internacionais que a fotoproteção é uma das principais estratégias de prevenção em dermatologia. Não é uma moda. É ciência consolidada.”
Lucas também ressalta que os tais óleos naturais promovidos on-line não têm função fotoprotetora: “Eles podem até colaborar para a hidratação e para a barreira da pele, mas não bloqueiam radiação. Pior: alguns, como o óleo de coco, podem até aumentar a penetração dos raios UV.”
Por que a geração Z está caindo nessa?
A resposta mais recorrente entre os dermatologistas é: desinformação, velocidade e desconfiança da ciência. “A internet acelerou a circulação de ideias, não necessariamente de conhecimento”, diz Cristina Salaro. “Há uma onda crescente de ceticismo em relação à ciência e ao uso de produtos químicos, mesmo que as evidências estejam aí, disponíveis e acessíveis.”
Lucas Azevedo concorda: “Essa geração busca informação nas redes sociais, onde tudo vira conteúdo. E nesse jogo, vale tudo por audiência — inclusive espalhar desinformação. É um território fértil para mitos.”
Informação é proteção
Apesar do cenário preocupante, os especialistas acreditam que o caminho para reverter essa tendência está nas próprias redes sociais. “É preciso ocupar esse espaço com informação clara, visual e confiável. Falar a língua da geração Z, sem julgamento, com base em evidências”, afirma Vivian Amaral.
E a mensagem, segundo ela, precisa ser direta: “Protetor solar não é vilão, é aliado. Usar todos os dias é o gesto mais simples — e mais poderoso — para manter sua pele saudável por décadas.”
O que você precisa lembrar:
- Protetor solar é o único método cientificamente comprovado para proteger a pele dos danos solares.
- Óleos vegetais e manteigas não substituem o filtro solar.
- Os danos do sol são acumulativos e irreversíveis.
- O movimento “Nosunscreen” pode ser passageiro — os efeitos dele no corpo, porém, são amargos e duram para sempre.
FONTE: METRÓPOLES