
Por Thamiris Guidoni
Após dois anos de obras minuciosas, o Theatro Carlos Gomes, patrimônio histórico e símbolo cultural de Vitória, reabre ao público neste sábado (22), a partir das 16h, com show de Silva e da Orquestra Sinfônica do Espírito Santo, na Praça Costa Pereira. O monumento de 1927 passou por um extenso processo de restauro, que recuperou elementos originais, incorporou tecnologia de ponta e devolveu ao espaço sua relevância estética e afetiva para a população capixaba.
Durante apresentação do espaço para a imprensa, que aconteceu nesta terça-feira (18), no próprio Teatro, o governador Renato Casagrande ressaltou a importância da entrega.
“É mais um espaço que nós estamos entregando para a população capixaba e que tem muita conexão com a história do Estado. O Theatro Carlos Gomes faz parte da identidade cultural do Espírito Santo, e ver esse patrimônio recuperado, vivo e pulsante novamente, é motivo de muito orgulho. Agora, com essa obra concluída, estamos fortalecendo a cena cultural do Centro, ampliando o acesso e garantindo que esse espaço volte a ser ocupado pela comunidade.”
Ele também destacou o impacto econômico da reativação do Carlos Gomes.
“A cultura não é só entretenimento. Ela movimenta a economia, forma profissionais, gera emprego e renda. Por isso, estamos investindo na requalificação de equipamentos públicos como o Museu da Imigração, o Palácio da Cultura, o próprio Theatro Carlos Gomes.”
Fechado desde 2017 por danos estruturais, infiltrações, problemas elétricos e o desabamento parcial do teto do foyer superior, o teatro passou por um trabalho que uniu conservação e modernização. Elementos históricos como pinturas, pisos, lustres e adornos foram totalmente restaurados, enquanto novos equipamentos, acessibilidade plena e sistemas cenotécnicos de alto nível posicionam o espaço entre os mais completos do país.
A presidente do Instituto Modus Vivendi, Érika Kunkel, responsável pelo restauro da obra, explicou que o foco foi preservar ao máximo o patrimônio original, ao mesmo tempo em que se preparava o espaço para as necessidades contemporâneas.
“O Theatro Carlos Gomes passou por um restauro e uma readequação que conseguiu preservar quase 100% do patrimônio original. Todas as pinturas, adornos, lustres e o piso foram restaurados. Ao mesmo tempo, incorporamos novas tecnologias como iluminação cênica de primeira linha, sistemas modernos de sonorização e acessibilidade completa.”
Ela também destacou os achados revelados durante o processo. “Descobrimos pinturas marmorizadas e douramentos que enriquecem ainda mais o Theatro e fazem parte do estilo eclético da Belle Époque. O restauro devolve esse glamour e resgata a identidade do espaço. Quando as cortinas se abrem, o capixaba reencontra esse orgulho.”
O secretário de Cultura, Fabrício Noronha, reforçou o impacto da reabertura para a cena cultural e para a ocupação urbana do Centro.
“Entregar o Carlos Gomes é devolver à cultura capixaba um dos seus espaços mais simbólicos. É um teatro historicamente ligado ao coração da cidade, que volta agora com mais segurança, mais qualidade técnica e mais possibilidades para as produções locais. Essa reinauguração fortalece o movimento de retomada do Centro. Quando um equipamento cultural volta a pulsar, todo o entorno ganha.”
Noronha adiantou que o equipamento terá programação contínua.
“A partir da próxima semana, este palco volta a receber dezenas de espetáculos de dança, teatro e música. Vamos anunciar a programação de reinauguração que segue até março, e abriremos dias de pauta para produtores e festivais.”
Além disso, o Carlos Gomes inicia visitas mediadas às terças e quartas, com agendamento, para apresentar ao público a história do prédio e detalhes do restauro.
O projeto de recuperação teve investimento de R$ 20 milhões, R$ 10 milhões do BNDES e R$ 10 milhões da EDP, via Lei Federal de Incentivo à Cultura. Para o banco, o restauro é uma ação de fortalecimento econômico e cultural.
“Ao valorizar esse patrimônio histórico e promover seu resgate com rigor técnico e sensibilidade artística, contribuímos para fortalecer a cadeia produtiva da cultura no Espírito Santo. A requalificação do Carlos Gomes também é um investimento no futuro da cultura capixaba”, afirmou Marina Moreira, superintendente de Marketing e Cultura do BNDES.
Para a EDP, o projeto reforça a preservação da memória do Espírito Santo.
“Contribuir para a restauração de patrimônios culturais é permitir que as pessoas conheçam a própria história. A concessão renovada por mais 30 anos reforça nossa responsabilidade social e o compromisso com ações que geram impacto positivo”, disse o diretor Edson Barbosa.
O restauro revelou ainda elementos arquitetônicos raros, como douramentos com folhas de ouro nos camarotes e capitéis, técnicas de fingimento que imitam mármore e esculturas históricas que voltaram ao local original. A fachada também recebeu tratamento completo, incluindo a reposição de adornos e a recuperação de esculturas como Apolo e as figuras representando as artes.
Para celebrar a reabertura, o dia 22 contará com uma instalação artística especial da artista contemporânea Flávia Junqueira, que transformará o interior do teatro em um cenário de festa.
Com acessibilidade total, tecnologia renovada e memória preservada, o Theatro Carlos Gomes volta a ocupar seu lugar na vida cultural capixaba, como palco, símbolo e patrimônio.
Segurança e combate a incêndio

O restauro e a readequação do Theatro Carlos Gomes também contemplaram intervenções nas instalações civis, cenotécnicas e de acessibilidade, além de melhorias estéticas e funcionais. Todas as instalações elétricas, o SPDA e os sistemas de segurança e combate a incêndio foram completamente substituídos. O projeto incluiu, ainda, novos sistemas de climatização, sonorização e iluminação cênica e monumental, garantindo mais conforto, segurança e valorização do patrimônio.
Segundo Erika, as intervenções elevaram o teatro a um novo padrão de segurança e acessibilidade.
“Hoje o teatro conta com um sistema de combate a incêndio de padrão internacional. Inclusive, há uma cortina especial que, em caso de fogo ou fumaça, desce e mantém a proteção por 60 minutos, permitindo que a plateia seja evacuada com segurança. Incorporamos também elevadores para o público e para o palco, garantindo acessibilidade completa. Esses recursos, aliados à preservação de toda a memória e identidade do teatro, fazem com que o espaço volte ao capixaba com segurança e afeto.”
Por dentro do teatro

Entre as principais revelações feitas durante o restauro do Theatro Carlos Gomes estão os refinados douramentos identificados no proscênio, nos gradis dos camarotes e nos capitéis das colunas. Espalhados por todos os pavimentos das frisas, esses elementos apresentam um desenho minucioso, característico da arquitetura eclética com influências neoclássicas, marcada pelo uso de folhagens estilizadas aplicadas em folhas de ouro.
As colunas metálicas também receberam tratamento decorativo compatível com o estilo original do teatro, com acabamento em velatura ocre para reproduzir o efeito de mármore, a chamada pintura marmorizada, cuja recuperação foi defendida pelo Prof. Dr. Nelson Porto, especialista responsável pelo acompanhamento do restauro.
Nos camarotes, as colunas de ferro fundido que apresentavam vestígios de douramento e seus capitéis foram restaurados com a técnica de velatura ocre, replicando o tradicional “fingimento” de mármore.
Essa prática, institucionalizada desde o Renascimento e amplamente difundida nos períodos seguintes, consistia em aplicar técnicas como afresco, escaiola e têmpera sobre superfícies diversas, argamassa, pedra, madeira ou metal, para simular materiais nobres, como mármore ou madeiras preciosas. O pintor especializado em fingimento possuía status diferenciado dentro das obras arquitetônicas e era muito requisitado pelas construções da época.
Outro achado importante foi a identificação da cor mais antiga do monumento. O tradicional amarelo que marcou o teatro por muitos anos, embora emblemático, revelou-se uma camada posterior. Em seu lugar, os restauradores recuperaram um tom camurça, alinhado ao repertório cromático do ecletismo e, ao mesmo tempo, atual por sua sobriedade. Tudo indica que essa tonalidade foi utilizada no Theatro Carlos Gomes desde sua inauguração, em 1927.
Segundo Erika, o processo de definição da cor exigiu rigor técnico e científico. Por meio de uma prospecção estratigráfica, os restauradores analisaram sucessivas camadas de tinta para identificar as tonalidades aplicadas ao longo do tempo.
“A cor camurça não foi escolhida de forma aleatória; foi feita uma pesquisa científica com restauradores e certificada por arquiteto-historiador especialista e aprovada pelo Conselho Estadual de Cultura. Foi provavelmente uma das primeiras cores usadas e ela harmoniza perfeitamente com o estilo do monumento, que é o eclético”.
Para Erika, o restauro devolve ao equipamento sua importância histórica e cultural, preservando sua essência e preparando-o para uma nova fase.
“O Theatro Carlos Gomes é um dos principais marcos culturais da cidade e exemplo notável da arquitetura eclética com influências neoclássicas, que caracteriza muitas das edificações teatrais do início do século XX no Brasil. O teatro reúne histórias que estão guardadas na memória dos capixabas. Por ele, passaram grandes estrelas do cenário artístico e agora estes momentos, tão necessários a todos nós, retornarão a partir de um projeto que preserva suas caraterísticas originais. Ele também o dotará de equipamentos e serviços modernos e sustentáveis para que a sociedade e a classe artística revivam os tempos de glória da casa, em grande estilo. O Theatro voltará a ser o grande palco da cultura no Estado”.
Sobre o Theatro Carlos Gomes

Construído em 1926 e inaugurado em 5 de janeiro de 1927, o Theatro Carlos Gomes, projetado pelo arquiteto autodidata André Carloni, é um marco do ecletismo em Vitória. O estilo, característico da belle époque, combinava estruturas monumentais com interiores ricamente decorados, onde conviviam mármores, madeiras nobres, douramentos, marmorizações, veludos e tapetes vermelhos.
Nas edificações ecléticas, cada ambiente recebia um tratamento estético próprio, seguindo a “teoria do decorum”, que ajustava o tipo de decoração à função de cada espaço.
Segundo o professor Dr. Nelson Porto, responsável pelo acompanhamento do restauro, “Preservar a arquitetura do ecletismo é preservar não apenas a sua estrutura arquitetônica como também a sua ambiência interna com as suas obras decorativas. Só a compreensão da obra como um conjunto é capaz de nos dar uma ideia da nova sociabilidade que a belle époque construiu para as nossas cidades”.
Ele destaca que o restauro foi realizado com rigor técnico, estudos históricos e critérios científicos, garantindo a proteção da memória e da identidade do teatro. O objetivo, reforça, foi assegurar que o monumento continue transmitindo sua história às futuras gerações, fiel às características originais e não a preferências contemporâneas.
FONTE: ES BRASIL