
A decisão dos Estados Unidos de impor uma tarifa de 100% sobre os produtos importados da China, caso confirmada, teria efeito imediato no comércio global. A medida representa o mais duro golpe já desferido por Washington contra Pequim em meio à disputa geopolítica que já dura mais de uma década. Os efeitos vão muito além da relação bilateral, atingindo cadeias de produção, preços internacionais e a posição estratégica de países emergentes, como o Brasil.
Especialistas avaliam que a medida elevaria significativamente os custos de produtos fundamentais para a economia americana, como eletrônicos, painéis solares, insumos industriais e máquinas. Isso teria reflexos inflacionários nos EUA e aceleraria o movimento de realocação de fábricas para outros países da Ásia e da América Latina. A reação chinesa também é considerada inevitável, sobretudo com retaliações contra setores sensíveis da economia americana, como a soja e o milho. O resultado seria uma intensificação do processo de “desglobalização”, com cadeias de suprimentos redesenhadas para reduzir a dependência da China.
Para o Brasil, o impacto é ambivalente. Por um lado, o país pode ganhar espaço no agronegócio e em setores industriais que concorrem com a produção chinesa nos EUA. Por outro, pode ser inundado por produtos chineses desviados do mercado americano, ampliando a concorrência interna e sufocando a indústria nacional. Diante disso, três cenários se desenham.
No cenário otimista, o Brasil ampliaria suas exportações de soja, milho e carnes para a China, aproveitando a possível retaliação de Pequim contra os agricultores americanos. Além disso, setores como aço, alumínio e celulose poderiam conquistar participação adicional no mercado dos Estados Unidos. Nesse ambiente, multinacionais tenderiam a diversificar suas cadeias de produção, trazendo investimentos ao Brasil e fortalecendo a indústria nacional. O resultado seria um saldo comercial recorde e o fortalecimento da posição do país como parceiro-chave da China.
No cenário neutro, haveria ganhos e perdas equilibrados. As exportações agrícolas brasileiras cresceriam, mas parte desse efeito seria neutralizado pela entrada de produtos chineses a preços reduzidos no mercado interno, o que pressionaria a indústria nacional. O setor produtivo brasileiro sofreria para competir com esses excedentes, enquanto o agronegócio manteria desempenho positivo. O resultado seria um saldo comercial ainda favorável, porém com maior instabilidade no câmbio e nos investimentos, além de perda de dinamismo em setores industriais estratégicos.
Já no cenário pessimista, a inundação de produtos chineses desviados dos EUA provocaria um colapso na indústria brasileira, incapaz de competir em preço. Ao mesmo tempo, haveria aumento no custo de insumos industriais e fertilizantes importados, elevando os gastos tanto da indústria quanto da agricultura. Nesse ambiente, o Brasil poderia ser forçado a escolher entre alinhamento aos Estados Unidos ou à China, correndo o risco de perder espaço em um dos dois mercados. O resultado seria recessão industrial, fragilidade comercial e maior vulnerabilidade econômica.
O que pode acontecer, portanto, depende menos da guerra comercial em si e mais da capacidade brasileira de reagir com estratégia. Se o país investir em diversificação produtiva, proteção de setores-chave e diplomacia ativa, poderá se beneficiar das mudanças no comércio global. Se permanecer restrito ao papel de exportador de commodities, corre o risco de se tornar refém de uma disputa entre potências que definem o rumo da economia mundial.