Sífilis segue em alta no Brasil, apesar de ter prevenção simples

Mesmo com diagnóstico rápido e tratamento eficaz, falhas no cuidado e baixa percepção de risco mantêm a sífilis em crescimento no país

- Ruslanas Baranauskas/Science Photo Library/Getty Images

A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST) causada pela bactéria Treponema pallidum, e que pode ser evitada com medidas simples, como o uso de preservativo e o diagnóstico precoce. Ainda assim, a doença continua avançando no Brasil, inclusive entre gestantes, grupo em que os riscos se estendem também aos bebês.

Dados do Ministério da Saúde, divulgados em outubro no boletim epidemiológico mais recente, mostram que o país registrou mais de 810 mil casos de sífilis em gestantes entre 2005 e junho de 2025. A maior concentração ocorreu na região Sudeste, seguida pelo Nordeste, Sul, Norte e Centro-Oeste.

Em 2024, a taxa nacional de detecção chegou a 35,4 casos por mil nascidos vivos, indicando o crescimento da transmissão vertical, quando a infecção passa da mãe para o bebê.

Para o infectologista Guilherme Henrique Campos Furtado, do Hospital BP, em São Paulo, o avanço da doença revela que o problema não está na falta de diagnóstico ou de tratamento, mas em falhas ao longo do cuidado. Segundo ele, durante a gestação, a interpretação dos exames pode ser um desafio.

“Os testes usados no pré-natal podem apresentar resultados baixos ou até negativos, o que leva à falsa impressão de que não há necessidade de tratar, mesmo quando a infecção está presente”, afirma.

Quando o simples não funciona na prática

Na avaliação do coloproctologista Danilo Munhóz, que atua em Brasília, o fato de a sífilis ter teste rápido e tratamento eficaz não garante, por si só, o controle da doença.

“Para funcionar, é preciso que a pessoa perceba o risco, procure o serviço de saúde, faça o teste, receba o resultado, trate corretamente e, principalmente, que o parceiro também seja tratado”, ressalta.

Ele destaca que os sintomas podem ser discretos ou inexistentes, o que atrasa a busca por atendimento. “Há vergonha, estigma, abandono do acompanhamento e muita reinfecção quando o parceiro não é testado. Isso mantém a cadeia de transmissão ativa”, explica.

A infectologista Luiza Matos, de Brasília, reforça que a prevenção depende de três pilares básicos: camisinha, testagem regular e tratamento imediato, sempre incluindo os parceiros.

De acordo com a médica, o preservativo segue essencial mesmo em relações estáveis, já que a infecção pode permanecer silenciosa por algum tempo. “Risco zero só existe com testagem atualizada e exclusividade real. Confiar apenas na sensação de segurança costuma atrasar o diagnóstico”, diz.

Sinais que passam despercebidos e falhas no pré-natal

A sífilis pode evoluir sem sintomas por longos períodos, o que dificulta a identificação precoce. O coloproctologista Danilo Munhóz explica que a manifestação inicial mais comum é uma ferida única e indolor na região genital, anal ou na boca, que desaparece sozinha.

“Isso dá a falsa impressão de que o problema se resolveu”, alerta. Em fases posteriores, podem surgir manchas pelo corpo, febre baixa, mal-estar e aumento dos gânglios.

Mesmo sem sintomas, a testagem é indicada após relações sem preservativo, troca de parceiros, diagnóstico de outra IST e, de forma rotineira, durante a gestação. “No pré-natal, o teste precisa ser repetido mais de uma vez para proteger o bebê”, ressalta o médico.

Luiza aponta que a persistência da sífilis congênita está ligada a falhas no acompanhamento das gestantes. “O início tardio do pré-natal, o atraso no tratamento e a falta de abordagem do parceiro são fatores decisivos. Quando a gestante trata e o parceiro não, a reinfecção pode acontecer rapidamente”, afirma a infectologista.

Para ela, a persistência desses casos indica problemas de acesso e continuidade do cuidado, e não ausência de solução médica.

Falsa sensação de segurança amplia o risco

Mudanças de comportamento também pesam no aumento dos casos. Entre os jovens, os avanços no tratamento do HIV contribuíram para reduzir o medo das ISTs como um todo. “Isso diminuiu o uso do preservativo”, diz o infectologista Guilherme Henrique Campos Furtado.

Já entre os idosos, o aumento da atividade sexual não veio acompanhado de práticas preventivas. “Muitos acreditam que não estão mais em risco”, completa o médico.

Para os especialistas, o controle da sífilis passa por campanhas contínuas de conscientização, estímulo à testagem e reforço do uso do preservativo em todas as fases da vida.

FONTE: METROPOLES