Sem proposta da Vale, bloqueio Tupinikim chega a 24 dias

Juventude Indígena mantém mobilização em Aracruz cobrando reparação pelo crime da Samarco; reunião com órgãos públicos termina sem avanços

O bloqueio dos trilhos da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), em Aracruz, realizado pelo coletivo da Juventude Indígena Tupinikim, completou 24 dias sem que a Vale apresentasse uma proposta de negociação para avançar no processo de reparação do crime socioambiental causado pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015. O desastre envolveu a Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton.

A mobilização ocorre em um trecho que atravessa território indígena e reúne cerca de 100 famílias, que protestam contra o que classificam como exclusão das comunidades tradicionais do processo de repactuação do Acordo do Rio Doce, firmado entre governos e mineradoras.

A ação continua mesmo após a Vale pedir à Justiça a suspensão da ordem de reintegração de posse que autorizaria o uso de força policial para retirada do grupo. O juiz federal Gustavo Moulin Ribeiro acolheu o pedido e revogou a ordem no dia 5 de novembro, data em que o desastre completou 10 anos. Ele concedeu prazo de 15 dias para que as partes dialogassem.

Na última quarta-feira (12), a Juventude Indígena Tupinikim, caciques e lideranças se reuniram com representantes da Vale, do Ministério Público Federal (MPF), da Defensoria Pública da União (DPU), da Secretaria-Geral da Presidência da República, da Secretaria Estadual de Direitos Humanos, da Comissão de Justiça e Paz e da Pastoral Indigenista.

A reunião terminou sem avanços concretos. Segundo os Tupinikim, a empresa se limitou a pedir “mais tempo”, sem apresentar propostas para iniciar a reparação específica aos povos indígenas atingidos. O grupo afirma que o impasse se prolonga “por falta de boa-fé”.

Críticas à postura da empresa e ao contexto nacional

Para os manifestantes, a postura da mineradora demonstra preocupação apenas com sua imagem institucional, especialmente durante a COP30, realizada nesta semana em Belém (PA). Eles lembram que os impactos do rompimento continuam afetando a pesca, a qualidade da água, a segurança alimentar e as práticas culturais das aldeias.

A juventude indígena também rejeita o Novel Indígena (2021) e a repactuação que deu origem ao Novo Acordo Rio Doce (NARD), assinado em 2024, classificando ambos como pactos feitos “às escondidas” e sem participação dos povos diretamente atingidos.

Entre as principais reivindicações estão:

  • anulação ou revisão dos acordos já firmados;
  • reconhecimento como titulares de direito;
  • manutenção do auxílio de sustentabilidade emergencial até que as condições de vida anteriores ao crime sejam restabelecidas;
  • pagamento de indenizações justas, conforme matriz de danos construída pelas próprias comunidades.

O movimento lamenta que órgãos fundamentais da política indígena não tenham participado do encontro.

“Não apareceu nenhum representante do Ministério dos Povos Indígenas. O convite foi feito e eles deram negativa. A Funai federal também não veio, assim como a Casa Civil”, afirmou uma das lideranças. “Sofremos até hoje pelos danos do maior crime socioambiental da história do País, mas parece que as demandas do povo Tupinikim valem menos”.

Vale comparece sem propostas, diz movimento

Segundo os manifestantes, representantes da Gerência de Relacionamento com Povos Indígenas da Vale admitiram não ter competência para discutir reparações.

“A empresa foi sem nenhuma proposta. Usaram o discurso de que foram lá para ouvir, mas eles já ouvem a gente há mais de dez anos”, relatou a liderança.

Em nota divulgada nas redes sociais, a Juventude Indígena afirmou que a mineradora participou do encontro “sem apresentar qualquer proposta concreta” e que todas as reivindicações foram entregues novamente.

Uma representante do grupo lembrou que, anos atrás, os Tupinikim já haviam ocupado os trilhos por 42 dias, ação que terminou com uma promessa judicial de continuidade das discussões — promessa que, segundo ela, nunca saiu do papel.

O movimento também denuncia a criminalização de jovens e lideranças desde o início do bloqueio. No primeiro dia, afirma, a Vale pediu a identificação de algumas pessoas como líderes do ato, e a Justiça as tornou rés.

No comunicado oficial, os jovens afirmam que parte da imprensa capixaba tem divulgado informações que favorecem a empresa:

“Seguimos mobilizados e atentos. Enquanto a mídia hegemônica divulga informações inverídicas, nós trabalhamos com a verdade”, diz a nota.

ES FALA: informação Século Diário