O relatório especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a liberdade de expressão no Brasil faz um alerta direto às instituições. A democracia só se sustenta com responsabilidade, proporcionalidade e transparência, sobretudo em períodos de tensão política.
Embora reconheça a gravidade dos ataques às instituições democráticas, o documento adverte: o combate a esses episódios não pode resultar em restrições genéricas à liberdade de expressão, nem em decisões baseadas em conceitos vagos ou pouco transparentes.
Segundo a OEA, responsabilizar é necessário, mas sempre com respeito ao devido processo legal e à preservação do debate público plural.
Diálogo institucional e responsabilização individual
Entre as principais recomendações, a OEA defende a convocação do Conselho da República, órgão de composição plural. O objetivo é promover um diálogo nacional sobre os ataques às instituições e os conflitos políticos recentes. Com isso, busca-se ampliar a compreensão coletiva dos fatos e reduzir leituras parciais.
Ao mesmo tempo, o relatório afirma que os responsáveis por tentativas de desestabilização democrática devem ser investigados e julgados com prioridade. No entanto, a responsabilização precisa ser individualizada, considerando o grau de participação e consciência de cada envolvido.
Punir de forma genérica, alerta a OEA, fragiliza a legitimidade institucional e amplia a desconfiança social.
Sigilo judicial sob questionamento
Outro ponto sensível é o uso excessivo do sigilo judicial. O relatório recomenda que o segredo de Justiça seja adotado apenas em situações excepcionais. Além disso, cobra do Judiciário mais transparência ativa e acesso à informação.
De acordo com a OEA, a falta de informação alimenta incertezas, críticas e desconfiança, o que compromete a credibilidade das decisões judiciais.
Liberdade de expressão como regra
O documento reforça que a liberdade de expressão deve ser a regra, e sua restrição, a exceção. Assim, limitações só devem ocorrer, preferencialmente, em decisões finais de mérito, quando houver comprovação clara de abuso.
Medidas cautelares que restrinjam manifestações precisam ser excepcionais, fundamentadas e temporárias. A OEA também condena o uso de conceitos abertos, como “desordem informacional” ou “informação descontextualizada”, por não atenderem ao princípio da legalidade.
Além disso, o relatório é enfático: a categoria de “atos antidemocráticos” não pode servir para silenciar críticas legítimas às autoridades públicas.
Proteção a jornalistas e defensores de direitos humanos
A OEA dedica atenção especial à segurança de jornalistas e defensores de direitos humanos. O documento recomenda investigações rigorosas de ameaças e violências, inclusive no ambiente digital, sempre considerando a hipótese de retaliação profissional.
Também cobra o fortalecimento do sistema nacional de proteção, com base legal sólida, financiamento adequado e órgãos independentes de avaliação.
Além disso, o relatório incentiva o jornalismo comunitário e o jornalismo produzido por grupos historicamente discriminados, com políticas públicas que garantam acesso a recursos e sustentabilidade.
Discurso de ódio e deveres das autoridades
O relatório recomenda uma definição precisa de “discurso de ódio”, alinhada à Convenção Americana de Direitos Humanos e ao Plano de Ação de Rabat, da ONU. Defende, ainda, ações educativas como principal estratégia de enfrentamento.
Para autoridades públicas e partidos políticos, a OEA impõe um dever adicional. É preciso verificar fatos antes de se pronunciar e adotar códigos de conduta claros, inclusive para lidar com discursos discriminatórios ou desinformação deliberada.
Desafios do ambiente digital
No ambiente digital, a OEA defende a atualização do marco jurídico para lidar com plataformas digitais, inteligência artificial, concentração econômica e sustentabilidade do jornalismo. Para isso, cobra ampla participação social no debate.
O relatório também recomenda que decisões judiciais que restrinjam conteúdos nas redes sejam comunicadas de forma clara a usuários e plataformas, com explicação objetiva da ilegalidade apontada.
Propostas estruturais
Entre as recomendações mais sensíveis, a OEA propõe a descriminalização do desacato e dos crimes contra a honra, como calúnia, difamação e injúria. Em casos de interesse público, a entidade defende a conversão dessas infrações em ações civis, priorizando o direito de resposta.
Por fim, o relatório cobra medidas eficazes contra ações judiciais abusivas que buscam silenciar a participação pública, conhecidas como SLAPPs.
Um alerta institucional
O relatório da OEA não relativiza ataques à democracia. Pelo contrário. Sustenta que a defesa do regime democrático só é legítima quando respeita direitos fundamentais, evita atalhos autoritários e preserva o espaço plural de crítica.
A mensagem final é clara: sem liberdade de expressão, não há democracia a proteger.
