Portadores de HIV no Brasil: estatísticas, desafios e políticas públicas em evolução

A população vivendo com HIV no Brasil atravessa um momento de avanços importantes, mas ainda enfrenta obstáculos estruturais que comprometem a plena eficácia das políticas públicas. Os dados mais recentes revelam um país que evoluiu em prevenção, diagnóstico e tratamento, porém ainda convive com desigualdades, estigmas e falhas de gestão.

Panorama estatístico atualizado

O Brasil possui aproximadamente 960 mil pessoas vivendo com HIV, segundo o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde. A taxa de detecção estabilizou-se na última década, com leve queda entre jovens adultos, mas aumento proporcional entre pessoas acima de 50 anos, o que indica mudanças no perfil epidemiológico. Cerca de 90% dos infectados estão diagnosticados, e aproximadamente 82% fazem uso de terapia antirretroviral (TARV).

Os resultados do tratamento também são expressivos: atividade viral indetectável foi alcançada por cerca de 77% dos pacientes em terapia contínua. Isso coloca o Brasil próximo das metas internacionais 95-95-95, mas ainda aquém de países que já consolidaram maior capilaridade na rede de atenção básica.

A mortalidade relacionada à Aids apresentou queda significativa: redução de 25% em dez anos, embora regiões Norte e Nordeste ainda concentrem taxas mais elevadas devido à menor cobertura de saúde e barreiras no acesso a exames e medicamentos.

Desigualdades regionais e sociais

O avanço não é homogêneo. Estados das regiões Norte e Nordeste continuam com menores taxas de testagem, menor regularidade na distribuição de TARV e menos centros especializados. Populações vulneráveis — como pessoas trans, profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens (HSH), população carcerária e moradores de rua — continuam apresentando prevalência maior e piores indicadores de adesão ao tratamento.

Outro desafio estrutural é o estigma social, ainda muito presente e responsável por impedir testagem, acompanhamento e continuidade terapêutica. Em muitos municípios pequenos, pacientes evitam buscar serviços por medo de exposição.

Políticas públicas adotadas

O Brasil mantém um dos programas de combate ao HIV mais reconhecidos internacionalmente, com pilares que se destacam:

Ampliação da testagem rápida
O SUS distribui testes rápidos gratuitos em unidades básicas, maternidades, UPAs e ações itinerantes. O desafio atual é expandir a busca ativa e integrar testagem em serviços de saúde mental, dependência química e atenção à população de rua.

Terapia antirretroviral gratuita e universal
O país foi pioneiro na oferta universal de TARV. Hoje, o esquema inicial é composto por medicamentos modernos, de dose única diária, com menor toxicidade. Porém, interrupções pontuais de estoque ainda acontecem em alguns estados.

PrEP e PEP como estratégias centrais
A PrEP (profilaxia pré-exposição) cresceu 213% em quatro anos, tornando-se uma das principais ferramentas de prevenção combinada. Já a PEP (profilaxia pós-exposição) segue consolidada, mas ainda pouco utilizada fora das capitais.

Campanhas de conscientização
As campanhas oficiais perderam intensidade nos últimos anos, abrindo espaço para retrocessos na informação pública. Organizações civis e coletivos retomaram parte desse papel, mas o alcance é menor.

Desafios das políticas públicas

Apesar dos avanços, persistem gargalos:

  1. Falta de continuidade nas campanhas nacionais prejudica a percepção de risco e a adesão preventiva.
  2. Desigualdade regional limita o impacto do programa nacional.
  3. Estigma persistente impede que muitas pessoas procurem testagem e tratamento.
  4. Baixa atenção à saúde sexual de idosos, grupo cuja incidência cresce silenciosamente.
  5. Integração insuficiente com políticas de educação sexual, reduzidas em diversas gestões municipais e estaduais.

Perspectivas

O Brasil tem condições técnicas e estruturais para consolidar as metas 95-95-95, mas isso exige mais investimento em atenção básica, campanhas permanentes e integração entre saúde pública, educação e assistência social. O HIV não é apenas uma questão biomédica: é social, cultural e política.

O país avançou ao garantir diagnóstico e tratamento universal, mas precisa encarar com seriedade o combate ao preconceito, a ampliação da prevenção e a descentralização da rede de atendimento. Sem isso, os bons resultados correm o risco de estagnar diante de uma realidade que ainda exige vigilância constante.