O cavalo de troia capixaba — como a direita está prestes a ser engolida pela própria inércia

À medida que o governo de Renato Casagrande (PSB) se aproxima de seu epílogo, um rearranjo silencioso e profundamente estratégico começa a se desenhar sob os alicerces da política capixaba. Aos olhos mais desatentos, tudo parece natural: lideranças municipais em busca de reeleição ou prestígio, alianças partidárias em renovação, e movimentações institucionais aparentemente corriqueiras. Mas a superfície esconde um jogo de tabuleiro milimetricamente desenhado, que pode garantir à esquerda capixaba — e por consequência ao campo progressista nacional — um domínio absoluto sobre a Grande Vitória.

O plano é sutil, mas eficaz: com a saída de Casagrande do governo estadual, abre-se uma lacuna institucional que poderia, em tese, representar um momento de oxigenação política. No entanto, o PSB e seus aliados veem neste vácuo uma oportunidade de rearticulação, por meio da tomada ou manutenção estratégica das prefeituras de Cariacica, Vila Velha e, por último, a cereja do bolo, Serra. É nesse contexto que as figuras de Arnaldinho Borgo e Euclério Sampaio surgem como peças-chave. Ambos, embora eleitos com o apoio da direita ou de uma direita flexível, têm demonstrado disposição em dialogar com os socialistas — ou mesmo em abrir mão de suas candidaturas em prol de nomes mais alinhados à esquerda.

Esse estímulo velado às candidaturas de Arnaldinho e Euclério traduz um bastidor sutil, porém vil. Caso ambos optem por disputar outros cargos — seja no Legislativo ou como tem sido visto, para o executivo estadual, de imediato — sem enfrentar uma eleição municipal, o PSB, sem resistência, tomaria as duas máquinas públicas de Vila Velha e Cariacica. Seria um golpe estratégico sem precisar de confronto direto, garantindo ao partido a manutenção de um imenso espaço de poder. Quando somado à influência da esquerda na Serra, esse tripé de controle regional minaria qualquer projeto consistente da direita capixaba, criando um cinturão ideológico que resistiria a qualquer tentativa de alternância.

Arnaldinho e Euclério são, hoje, obstáculos reais ao avanço da esquerda em suas cidades. Não são ideológicos, não comungam com os projetos hegemônicos do PT, e possuem musculatura política própria, construída com base em uma gestão reconhecida localmente. Justamente por isso precisam ser “diminuídos” — não por meio de derrotas eleitorais, mas por meio de articulações que os desloquem do centro do jogo. Seus posicionamentos independentes e sua força popular incomodam profundamente figuras como Helder Salomão em Cariacica e os setores progressistas em Vila Velha, que têm encontrado enormes dificuldades para se consolidar nessas regiões.

Um mandato totalmente à esquerda em ambos os municípios seria, para esses setores, a solução ideal. Sem oposição relevante nas prefeituras, o caminho estaria livre para o adensamento de quadros ideológicos, para o uso da máquina administrativa como plataforma política e para a sustentação do projeto nacional do PT.

Trata-se, na prática, de uma operação de cercamento. Se Cariacica e Vila Velha forem entregues ao PSB com players satélites, e a Serra que já sucumbiu ao mesmo movimento em 2024, com a vitória de uma força ideológica comprometida com o Lulismo e a esquerda capixaba, teremos uma Região Metropolitana dominada ideologicamente por forças que orbitam o projeto petista de poder nacional. Uma Grande Vitória sob controle da esquerda significa, em termos práticos, a posse das principais estruturas orçamentárias e logísticas do Espírito Santo. O que resta à direita? Uma planície desértica, incapaz de gerar quadros, influenciar políticas públicas ou sequer pautar o debate.

A isso se soma o artifício político do “Casanaro” — figura que emergiu como uma promessa de equilíbrio entre o bolsonarismo e a gestão moderada, mas que aos poucos revelou-se um vetor de diluição ideológica. Criado para conquistar o eleitorado de centro-direita, o Casanaro agiu como uma ponte entre a pauta conservadora e o aparelhamento ideológico da esquerda. Muitos o endossaram como alternativa ao extremismo, sem perceber que estavam abrindo as portas para um projeto de continuidade disfarçada do PSB — e, por consequência, do PT.

É impossível não traçar paralelos com a engenharia política nacional. O PSB, embora historicamente menos barulhento que o PT, é um parceiro estratégico fundamental para o lulismo. Onde o PT enfrenta resistência, o PSB suaviza, costura, traduz. A aliança entre os dois partidos é funcional: enquanto um fala para as massas e mantém o verniz popular, o outro negocia nos bastidores e administra estruturas de poder. No Espírito Santo, essa lógica se expressa com nitidez.

A trama não se restringe ao estado. O avanço coordenado da esquerda capixaba serve como modelo para outras regiões do país. A tomada de prefeituras, secretarias e consórcios municipais é o braço tático de uma estratégia mais ampla de recondução da hegemonia petista em 2026. E o que está em jogo, portanto, não é apenas o resultado das eleições municipais — é o controle narrativo, orçamentário e institucional de todo um território geopolítico.

Nesse cenário, a direita capixaba aparece fragmentada, refém de suas vaidades e incapaz de construir um projeto unificado. Há líderes, mas não há comando. Há votos, mas não há articulação. Há indignação, mas não há estratégia. Enquanto isso, a esquerda avança como quem joga xadrez contra um oponente distraído.

Cabe agora uma pergunta: quem são os operadores dessa engrenagem? Quem está estimulando a desistência de candidaturas legítimas em nome de composições aparentemente neutras? E mais: quais são os compromissos não-ditos por trás dessas alianças? Serão cargos? Serão acordos para 2026? Serão, quem sabe, garantias de blindagem judicial, licitações futuras ou acesso a verbas federais via emendas de bancada?

Diante desse panorama, não é exagero dizer que há, sim, uma trama. Uma trama inteligente, discreta, eficaz. Um verdadeiro Cavalo de Troia plantado dentro do próprio campo da direita, que, ao abrir os portões da moderação, permitiu a entrada de um projeto de poder disfarçado de republicanismo.

Resta agora à direita e ao centro-direita — verdadeiros ou oportunistas — entenderem que estão diante de uma bifurcação histórica. Ou constroem uma frente comum, com clareza ideológica e espírito de sacrifício, ou assistirão à consolidação de um ciclo político que poderá se perpetuar por décadas. Não se trata de vencer uma eleição, mas de preservar a possibilidade de existir enquanto alternativa legítima de poder.

O alerta está feito. O cavalo está selado, os soldados ocultos já ocupam posição. Falta saber quem terá a coragem de acionar o alarme antes que o portão se feche de vez.