O abraço da contradição: Pazolini e Hartung

Por Jackson Rangel

Paulo Hartung e Lorenzo Pazolini. Flertam sem abraço. -

A política capixaba sempre reserva seus capítulos de surrealismo. Mas nada soaria tão provocativo quanto a cena de Lorenzo Pazolini (Republicanos), delegado, prefeito de Vitória e garoto-propaganda da ordem, abraçado em público com Paulo Hartung (PSD), ex-governador que se arruinou no episódio mais traumático da segurança pública do Espírito Santo: a greve da Polícia Militar em 2017.

Seria a fotografia perfeita da contradição.

Pazolini, que se elegeu justamente por encarnar o discurso do enfrentamento ao caos, ao crime e à ineficiência do poder, estenderia os braços ao responsável político pela maior sensação de abandono da população em tempos recentes. É coragem? É cinismo? Ou apenas a velha esperteza de quem sabe que, na política, até abraços improváveis podem render dividendos?

Já Hartung, mestre do pragmatismo e sobrevivente de mil metamorfoses partidárias, usaria o gesto como senha para dizer: “ainda estou aqui, ainda peso, ainda negocio”. A imagem serviria como ato de ressurreição, mesmo que marcada pelo fantasma do fevereiro sangrento em que o Espírito Santo viveu à mercê da criminalidade.

No fundo, seria o encontro de dois polos que juram ser opostos, mas que se aproximam pelo mesmo instinto animal: o poder. Um centro-direita em ascensão e um centro-esquerda pragmático se agarrando mutuamente, em uma coreografia que só a política explica.

O eleitor, porém, não é bobo. O povo lembra dos corpos no chão, do comércio fechado, do medo nas ruas. O abraço não apaga a memória, apenas esfrega na cara do cidadão a mensagem de que, na política, princípios são descartáveis diante da conveniência.

Se um dia essa cena acontecer, será a prova de que o Espírito Santo entrou definitivamente na era do abraço da hipocrisia, onde até ruínas viram plataforma, e até estranhos viram aliados de ocasião.