Mudanças climáticas elevam doenças respiratórias e cardíacas.

Especialistas do CEJAM alertam para a maior vulnerabilidade de populações historicamente marginalizadas

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As mudanças climáticas deixaram de ser um problema distante e já afetam, de forma direta, a saúde da população brasileira. Ondas de calor, secas prolongadas, tempestades e enchentes vêm alterando padrões de doenças, agravando quadros crônicos e pressionando o Sistema Único de Saúde (SUS). Em um país tropical, com forte desigualdade social e alta exposição a vetores como o Aedes aegypti, os impactos tendem a ser ainda mais intensos.

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a crise climática é também uma crise sanitária. Estudos mostram que ela agrava doenças respiratórias e cardiovasculares, aumenta a incidência de arboviroses como dengue e chikungunya, compromete a segurança alimentar e hídrica e afeta a saúde mental, especialmente em comunidades vulneráveis.

Na ​A​tenção ​P​rimária​ à Saúde​, esses efeitos já são sentidos no dia a dia. “​Períodos de calor extremo e baixa umidade​ podem acarretar no aumento ​​de pacientes com crises respiratórias. Já as enchentes tendem a impactar no crescimento dos casos de dengue e outras arboviroses. Essas mudanças no padrão das doenças exigem que a atenção primária esteja cada vez mais preparada para prevenir, diagnosticar e tratar de forma rápida​​”, ​​explica o médico da Família e Comunidade Dr. Raul Queiroz, que atua na UBS Jardim Valquíria, gerenciada pelo CEJAM – Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim” em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.

Entre as pessoas mais impactadas, estão aquelas que possuem asma, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), rinites alérgicas e sinusites. “A exposição maior a poluentes e às mudanças bruscas de temperatura irritam as vias aéreas e aumentam a suscetibilidade a infecções”, detalha. Ele também lembra que problemas cardiovasculares podem surgir de forma indireta. “A desidratação, a nutrição inadequada e as alterações da pressão arterial, somadas à queda da imunidade, ​​pioram a​​​​ hipertensão e ​a ​diabetes, aumentando o risco de infarto e AVC.”

Mas os impactos não se distribuem de forma igual socialmente. O coordenador ESG do CEJAM, Everton Tumilheiro, aponta que “as populações mais afetadas são as historicamente marginalizadas e com menos acesso a direitos básicos: moradores de periferias, comunidades ribeirinhas, povos indígenas, quilombolas e pessoas em situação de rua. Esses grupos vivem em áreas de risco, com pouca capacidade de adaptação e acesso limitado a políticas públicas”. ​​O especialista​​ também destaca a vulnerabilidade de trabalhadores expostos ao ar livre, como rurais, garis e carteiros, e alerta para o racismo ambiental: “populações negras e indígenas são as que mais sofrem, embora tenham menor responsabilidade pela crise”.

Dados do Lancet Countdown mostram que, no Brasil, a capacidade de transmissão da dengue pelo Aedes aegypti aumentou 95% entre 2013 e 2022 em relação às décadas anteriores, um reflexo direto das mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, eventos como a seca histórica na região Norte em 2023-2024 deterioraram a qualidade do ar e elevaram doenças respiratórias em cidades como Manaus.

Para enfrentar esse cenário, Tumilheiro defende o fortalecimento da atenção básica e da vigilância epidemiológica. “​​Mortes​​ causadas por calor extremo ainda são registradas de forma genérica, sem a identificação do fator climático. Sem dados precisos, não conseguimos formular políticas públicas eficazes”, afirma.

Dr. Raul​​ ressalta​​ que as Unidades Básicas de Saúde ​​atuam​​ de forma preventiva, promovendo educação em saúde, monitoramento de riscos e busca ativa de pacientes vulneráveis. ​​O profissional ​​​​ ​​recomenda medidas simples, mas essenciais: hidratação adequada, uso de protetor solar e roupas leves, conservação segura de alimentos e bebidas e evitar contato com água de enchentes.

A resposta, ​​conforme ​​Tumilheiro, precisa ir além da saúde. “Políticas urbanas que garantam moradia segura, áreas verdes, saneamento básico e mobilidade ativa são tão importantes quanto ampliar a capacidade de resposta dos serviços de saúde. A crise climática não será resolvida por uma área isolada: precisamos de um modelo de desenvolvimento baseado na justiça ambiental e na integração real das políticas públicas.”

Saúde como protagonista na agenda climática

Além dos desafios de implementação, Everton Tumilheiro reforça que o setor de saúde não pode ocupar apenas um papel reativo diante das mudanças climáticas. “Precisamos sair da lógica de apenas tratar as consequências e assumir um papel ativo na prevenção e mitigação. ​​O setor​​ de saúde, como um todo, deve liderar esse processo”​​.​​​​ ​​

Segundo ele, esse protagonismo exige alinhar a geração de valor socioambiental à inovação, governança, eficiência e impacto social positivo. “Incluir a saúde nas estratégias climáticas é desenvolver uma abordagem sistêmica, colaborando com agendas corporativas e institucionais em torno da Agenda 2030 da ONU e traduzindo objetivos globais em ações concretas e mensuráveis nas comunidades”, explica.

Para que essa visão saia do papel, é preciso fortalecer a governança, ampliar a transparência, adotar indicadores robustos e garantir a participação ativa da sociedade nas decisões. “O setor de saúde pode deixar de ser visto como um ‘vilão perdoado’ pelo seu alto consumo de recursos e se tornar um verdadeiro motor de sustentabilidade e justiça social”, conclui.