Livros de colorir: atividade em alta é maneira de aliviar sintomas de estresse e ansiedade

Fenômeno nas redes sociais com os "bobbie goods", jovens e adultos têm buscado a prática para se desconectar da rotina agitada; psicóloga pondera sobre necessidade de auxílio profissional

- Livros de colorir são usados como maneira de relaxar - Foto: Arthur Botelho/Folha de Pernambuco

Uma prática comum entre as crianças, os livros de colorir passam por um momento de alta neste ano. A febre dos Bobbie Goods, criados pela ilustradora norte-americana Abbie Goveia, atinge tanto o público infantil como jovens e adultos.

Mais do que preencher com pinturas os desenhos fofos de ursinhos, cachorros e outros animais em cenas do cotidiano, os “bobbie goods” ou outros livros de colorir estão sendo utilizados por pessoas que querem se desopilar da rotina agitada.

A reportagem da Folha de Pernambuco conversou com jovens adultos que foram impactados pela onda dos Bobbie Goods para entender os benefícios da prática.

Momento de relaxar
Letícia Rossiter, de 25 anos de idade, é publicitária e criadora de conteúdo. Com uma rotina muito conectada com as redes sociais, ela encontrou nos livros de colorir a forma de criar um momento fora do ambiente virtual. 

“Meu principal objetivo foi desconectar. A gente passa muitas horas do nosso dia mexendo no celular ou no computador. Então, foi uma forma para mim de me desestressar, de passar um tempo livre, assim, de desopilar mesmo”, destacou a criadora de conteúdo.

No início do hobby, que foi há cerca de dois meses, Letícia chegou a pintar os Bobbie Goods quase que diariamente. “Quando eu estava nos meus picos de estresse, em casa, eu sempre tinha que pintar à noite. Eu acho que era a coisa que mais me deixava tranquila”, completou.

Letícia Rossiter, de 25 anos de idade, tem a prática de livros de colorir. Foto: Arthur Botelho/Folha de Pernambuco 

A professora de Língua Portuguesa e Inglesa, Luana Nascimento, teve contato com a pintura desde a infância. Após uma pequena retomada com o hábito de colorir na pandemia, ela voltou de forma definitiva com a febre dos Bobbie Goods. 

Luana acredita que, numa rotina de muita cobrança por performance no âmbito profissional, os livros de colorir funcionam como o momento em que ela se permite não ser perfeita.

“Eu acho que o mais importante é você se expressar da forma que pode e gosta. Isso é o que faz a gente aliviar a ansiedade. [A cobrança por performance] é algo que eu tento fugir muito, porque eu acho que o propósito é justamente o oposto. Esse sentimento de aliviar a ansiedade é quando você faz dessa forma, sem se cobrar e de maneira espontânea”, analisou.

A professora relatou que começou a pintar os Bobbies Goods há cerca de cinco meses. Ela realiza a prática de forma individual, mas fica tão empolgada com os resultados que compartilha nas redes sociais e com os seus alunos.

Atividade em dupla
A estudante de publicidade e propaganda, Ariany Santos, 23, é a que teve o contato mais recente com os Bobbie Goods. Ela começou a completar os livros de colorir há um mês. 

“Justamente pela minha rotina de estar sempre em frente a muitas telas e tomada de muitas informações, os Bobbie Goods foram uma forma de escapar dessa realidade. Foi um lugar em que eu encontrei realmente paz”, detalhou Ariany. 

Além do impacto positivo em sua própria rotina, Ariany também observou reflexos positivos na sua mãe, de 50 anos, e que passou a praticar o hobby com ela. 

“Eu me divirto bastante, principalmente quando estou com minha mãe. Por exemplo, eu adoro ficar debatendo com ela quais são as coisas que a gente gostaria de fazer. No final de tudo é muito prazeroso. Mesmo quando fica incompleto, é muito legal ver essa construção, porque nos habilita e ajuda muito nessa questão de criatividade. Realmente eu saio bem renovada após a pintura”, comentou.

Livros de colorir podem ser terapêuticos?
De acordo com a especialista em Psicologia Clínica pela UNICAMP/CPPL, Stéphanie Filgueira, atividades como livros de colorir podem desenvolver aspectos positivos independentemente da idade.

Nas crianças, o estímulo pode abrir o contato e desenvolvimento pela arte através de pinturas, desenhos ou representações gráficas, além de ajudar a diminuir o uso de telas.

“Isso tem, para a criança, um lugar importante, mediado a partir do brincar. É interessante esse crescimento significativo no interesse pelos livros de colorir, seja para as crianças ou adultos”, disse a psicóloga.

A especialista argumenta que tem recebido relatos de pessoas que tiveram uma diminuição nos sintomas de ansiedade e estresse a partir do desenvolvimento de atividades como os livros de colorir. 

“Pessoas relatam, de forma mais ampla nas redes sociais, sobre a utilização dos livros de colorir para ajudar na diminuição do estresse e ansiedade. Ao focar numa atividade como a pintura, possibilita desligar um pouco das angústias e situações diárias”. 

Apesar da possibilidade de auxílio em determinadas situações, é preciso cuidado para que a prática não se torne prejudicial.

Segundo Stéphanie Filgueira, o consumo excessivo de conteúdo digital nas redes sociais, dos produtos em si ou até mesmo a parte de cobrança por desempenho no ato de colorir podem ser prejudiciais ao processo.

Auxílio profissional 
Outras atividades fáceis de encaixar no dia a dia possibilitam a mesma sensação de bem-estar que os livros de colorir. A psicóloga recomenda exercícios físicos, leitura, meditação e yoga como uma das opções. 

Entretanto, a especialista pontua que quando estresse e ansiedade são recorrentes é preciso de acompanhamento profissional, seja de psicólogo, psicanalista ou psiquiatra.

“Isso tudo é importante, vai num somatório na construção de atividades de bem-estar, mas não substituem, quando necessário, a ajuda de um profissional. Se há uma angústia frequente ou irritação grande, tudo isso remete a procura de um profissional que vai analisar e cuidar dessas questões. Essas atividades têm um lugar, mas não podem ocupar um local de desviar questões que são importantes de serem tratadas. Não pode ser um lugar de fuga e deve ser tratado”.

A pintura na história
Coordenadora do curso de licenciatura plena em História na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Maria do Rosário da Silva, detalha que imagens, pinturas, gravuras e outros registros visuais pertencem ao conjunto de vestígios mais antigos da vida humana.

Das pinturas rupestres até as expressões mais contemporâneas, as pinturas tiveram usos diversos ao longo da história, seja de caráter político, religioso, decorativo, entre outros.

De acordo com a historiadora, os primeiros livros de colorir surgiram já no século XIX, mas o fenômeno no estilo Bobbie Goods é recente. 

“Livros de colorir são formas de expressão artística mais recentes e apontam para as práticas e experiências da contemporaneidade, envolvendo o fenômeno de uma produção voltada para um mercado que cria os produtos e as próprias possibilidades de lazer, descanso e relaxamento, além dos modos de compartilhamento”, concluiu Maria do Rosário da Silva.

FONTE: FOLHA PE