
Os quase 155 mil mineiros que recebem a indenização mensal do Programa de Transferência de Renda (PTR) — após serem atingidos pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte —, conseguiram uma liminar na Justiça que obrigou a mineradora a manter o pagamento integral do “auxílio”, que acabou sendo cortado pela metade em março deste ano.
O TEMPO teve acesso à decisão, que foi proferida na noite da última sexta-feira (28 de março) pelo juiz Murilo Silvio de Abreu, da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte. A liminar foi concedida em resposta a uma ação movida por três entidades que representam os moradores: Associação Brasileira dos Atingidos por Grandes Empreendimentos (ABA); Associação Comunitária do Bairro Cidade Satélite (ASCOTÉLITE), em Juatuba; e o Instituto Esperança Maria (IEM).
As entidades alegaram que o PTR foi cortado ao meio apesar de existirem atrasos no andamento da reparação socioambiental, socioeconômica e individual dos moradores das 26 cidades mineiras afetadas pelo rompimento da barragem de minério da Vale. Além disso, elas alegam que também não foi concluído os estudos e perícias técnicas acerca dos impactos da tragédia na saúde da população e no meio ambiente.
“Enquanto isso, milhares de famílias que sobreviviam da pesca, agricultura, turismo ou comércio, ou as tinham como importantes meios de subsistência, hoje só conseguem se alimentar em virtude do programa de transferência de renda. As execuções previstas nos anexos do Acordo de 2021 estão longe da conclusão.”, argumentaram as associações.
“Evidentemente, se mantendo a condição base de contaminação das águas, solo e ar na bacia do rio Paraopeba, permanecerão impedidas as atividades econômicas, culturais e sociais paralisadas e estigmatizadas pelo rompimento, bem como serão ainda agravados os danos à saúde física e mental da população atingida. Essa é, sem dúvida, a questão central que impede, neste momento, a descontinuidade do Programa de Transferência de Renda e é inegável a responsabilidade da Vale S.A quanto à estas condições”, completam os representantes dos atingidos na ação judicial.
Diante das alegações, o magistrado destacou que os danos do rompimento “continuam se materializando ao longo do tempo, dada a extensão e gravidade do desastre”. “A infração ambiental, no presente caso, tem efeito contínuo, de forma que os danos socioambientais e socioeconômicos causados pelo rompimento das barragens persistem (e se desdobram, diga-se) e o processo reparatório está longe de ser finalizado”, escreveu o juiz Murilo Silvio de Abreu na decisão.
Ele lembrou ainda que o relatório elaborado em 2024 pela própria Vale apontava que a previsão para o fim do processo reparatório é de 2031, pontuando ainda que, até o momento, não ocorreu o manuseio total dos rejeitos ou o processo de recuperação ambiental.
“Nessa linha, como o encerramento total do PTR está previsto para 2026 (…) caberá à Vale S.A. depositar em juízo o valor necessário para complementar os pagamentos, por ser ela a responsável por estarem os atingidos em tal situação, como por ela mesmo admitida, ao não recorrer da sentença que a condenou a indenizá-los. Pelas razões acima expostas, concedo a tutela de urgência para determinar que a ré Vale S/A realize o pagamento de auxílio emergencial até que a população atingida alcance condições equivalentes às precedentes ao rompimento das barragens da Mina Córrego do Feijão”, concluiu o juiz.
Procurada pela reportagem neste sábado (27), a Vale informou por nota que ainda não foi comunicada da decisão judicial. “No Acordo Judicial de Reparação Integral, firmado em 2021, o PTR foi estabelecido como solução definitiva para o pagamento emergencial e acordado como uma ‘obrigação de pagar’ da Vale (…) Com o depósito, foi encerrada a obrigação da Vale referente ao tema”, concluiu a empresa.
O corte
O PTR é fruto do acordo firmado em 2021 entre o Governo de Minas, os órgãos de Justiça estaduais e a mineradora Vale. Na ocasião, foi determinado que a mineradora deveria pagar R$ 4,4 bilhões para o pagamento da indenização mensal aos moradores atingidos pelo rompimento, considerado o maior crime ambiental da história do Brasil.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), que administra os recursos depositados pela mineradora e faz o pagamento aos moradores, essa redução de 50% no valor pago ocorre para “preparar os beneficiários para o fim do auxílio”, que estava previsto para março de 2026.
Atualmente, o valor repassado mensalmente é de meio salário-mínimo por adulto, com exceção à zona quente — região mais próxima à barragem—, cujo pagamento é de um salário mínimo. Em março deste ano o benefício foi reduzido pela metade, sendo que não houve corte nas quantias pagas para adolescentes e crianças, que seguirão recebendo 1/4 e 1/8 do salário-mínimo, respectivamente.
FONTE: O TEMPO