
A intolerância religiosa segue crescendo no Brasil. Entre 2023 e 2024, as denúncias de violações de liberdade de crença ou culto recebidas pelo Disque 100 aumentaram 66,8%, saltando de 1.481 registros para 2.472. Os dados são do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. As religiões de matriz africana são as mais atingidas: a umbanda aparece em primeiro lugar entre as mais atacadas, com 151 denúncias registradas, seguida pelo candomblé (117). A ouvidoria também registrou 21 denúncias relacionadas a outras religiosidades afro-brasileiras.
O aumento de casos também foi percebido nos espaços de tradição de matriz africana em Belo Horizonte e região, realidade que levou entidades a buscarem estratégias para tentar reduzir ataques e ameaças.
Na visão da coordenadora geral do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab) de Minas Gerais, Makota Celinha Alves, a predominância das denúncias de violações de liberdade de crença ou culto entre as religiões de matriz africana demonstra o racismo da sociedade brasileira, que não enxerga os ataques como crimes. De acordo com ela, em BH e região metropolitana, onde o Cenarab apoia quase 500 comunidades, a situação também é delicada.
“Em Belo Horizonte ainda tem muito preconceito. É uma cidade extremamente racista do ponto de vista da tradição de matriz africana”, afirma. Foram os constantes ataques e ameaças aos terreiros da capital que fizeram com que o Cenarab e a Associação da Defensoria e dos Defensores Públicos de Minas Gerais (Adep-MG) desenvolvessem o projeto Espaço Sagrado, Espaço Protegido. O projeto conta também com o apoio da Guarda Municipal de Belo Horizonte.

Por meio dele, placas são colocadas nos espaços religiosos com o objetivo de intimidar possíveis agressores. Segundo a Adep-MG, a medida surtiu efeito, com redução de cerca 90% das denúncias. “Provou ser uma política eficaz, porque nós estamos falando de reconhecimento pelo Estado”, destaca Makota Celinha. Segundo a coordenadora do Cenarab, o projeto tem sido referência para outras cidades brasileiras e chegou a receber o “Selo Esperança Garcia: Boas Práticas Antirracistas nas Defensorias Públicas do Brasil – Ações Afirmativas” do Conselho de Ouvidores Gerais das Defensorias Públicas.
Identidade.Além de não perceber os ataques às religiões de matriz africana como crimes, a população de BH se nega a reconhecer que a identidade cultural da cidade é fortemente ligada a essas tradições, afirma Makota Celinha. “Dificilmente você vai ver uma criança que nunca foi benzida de mau-olhado ou quebranto. É raro encontrar uma família que não tem um pé de guiné, de comigo-ninguém-pode. Isso é da tradição de matriz africana”.
Makota Celinha considera triste o fato de datas como o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, celebrado ontem, ainda terem que ser usadas para denunciar os ataques sofridos pelas comunidades. “Há mais de 500 anos tentam nos destruir e não conseguem. O maior recado que fica para o racista é que nossa resistência é que incomoda. Somos pessoas felizes e completas naquilo em que acreditamos”.
‘Não há salvação fora do fazer’
Além de estarem no dia a dia das famílias brasileiras, as tradições de matriz africana também fazem parte do vestuário, da dança, da culinária e da música no Brasil. E é isso que busca destacar o Africanilê – 1º Encontro Inter-Religioso do Ilê Axé Guian, em celebração ao Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. O evento, que será realizado hoje pelo terreiro de umbanda Omolokô Ilê Axé Guian, vai promover diversas atividades culturais a partir das 15h, na rua Caldas da Rainha, 1.710, São Francisco, na região da Pampulha.
Segundo Vanessa Vorcaro Mallaco, produtora cultural do Africanilê, a vontade de fazer o evento surgiu após a sanção da lei que institui a data de 21 de março. O intuito é fortalecer e preservar as tradições vinculadas ao culto de origem africana.
“A gente sentiu a necessidade de festejar, de tornar esse dia um marco. É um desejo de trazer a África para o terreiro para além da religiosidade que é praticada todos os dias”, afirma. “A melhor maneira de combater a intolerância religiosa, o racismo, o preconceito é por meio da conscientização da população, da informação e do diálogo. A gente acredita que não há salvação fora do fazer. Então nós estamos fazendo”.
Para participar, é necessário retirar ingressos pelo Sympla. Entre as atividades estão contação de história, oficinas de dança, escultura, brincadeiras para crianças e adultos, rodas de capoeira e encerramento com uma gira.
FONTE: O TEMPO