
Dez cardiologistas com atuação em algumas das principais instituições de saúde do país lançaram a CardioWays, um hub de especialistas voltado ao cuidado da insuficiência cardíaca avançada ou refratária. Uma das principais soluções oferecidas é o implante do Dispositivo de Assistência Ventricular Esquerda (DAVE), conhecido como coração artificial. Apesar de ainda pouco utilizado no Brasil, essa tecnologia tem potencial para transformar a vida de até 2.600 pacientes anualmente, incluindo aqueles que não podem esperar por um transplante.
Conforme o especialista em insuficiência cardíaca e cofundador da CardioWays, Caio Ribeiro Alves Andrade, a iniciativa busca oferecer um cuidado mais integrado ao paciente cardiopata, especialmente nos casos graves. “O hub busca reduzir a fragmentação do atendimento ao acompanhar o paciente ao longo de toda a jornada, do diagnóstico — ainda na fase fetal ou na infância — até a vida adulta, incluindo tratamento medicamentoso, reabilitação e procedimentos como angioplastias e cirurgias.”
Ainda segundo o médico, nos casos mais avançados, o modelo também prevê suporte para transplante ou acesso ao coração artificial. “A proposta é olhar o paciente como um todo, desde o diagnóstico até as fases mais avançadas da doença, garantindo acesso às terapias mais adequadas, inclusive ao coração artificial, agora coberto pelos planos de saúde”, afirma.
Segundo estudo da Associação Americana de Cirurgia Torácica, mais de 80% dos pacientes que aguardam doação de coração e morrem, poderiam estar vivos três anos após o implante do DAVE. A tecnologia também pode reduzir em até 40% os custos de internações e atender um número de pacientes até seis vezes maior do que o da fila do transplante cardíaco tradicional.
“Atualmente, o paciente com insuficiência cardíaca grave ou refratária vive uma realidade de cuidados paliativos, sobrevivendo de um a dois anos. Geralmente, enfrenta reinternações frequentes, grande limitação de suas atividades diárias, o coração não consegue bombear sangue suficiente para o corpo mesmo com todos os tratamentos usuais. Com as terapias avançadas disponíveis, esse cenário já não precisa ser assim. O coração artificial expande a qualidade e a expectativa de vida, representando, de fato, uma nova realidade para milhões de brasileiros”, afirma Marina Fantini, especialista em insuficiência cardíaca, cofundadora da CardioWays e coordenadora da equipe de Cardiologia Pediátrica da Rede Mater Dei de Saúde, em Belo Horizonte.
Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) revelam que, em 2022, 105 das 432 pessoas na fila de transplante de coração morreram antes de receber o órgão. Para os especialistas da CardioWays, esse cenário evidencia a urgência por alternativas ao transplante. Segundo o grupo, o coração artificial surge para preencher essa lacuna, oferecendo uma opção eficaz e disponível para pacientes que não podem esperar por um órgão, com taxas de sucesso semelhantes às do transplante tradicional.
Uma das missões do hub é ampliar o acesso ao dispositivo, levando a expertise necessária para que centros médicos de diferentes portes possam oferecer o implante, hoje concentrado em hospitais de grande estrutura. “Mesmo considerando o custo inicial de aquisição, estima-se uma redução de até 40% no custo de internação por ano de vida gerado”, acrescenta Marina Fantini.
A dimensão do desafio
De acordo om a Sociedade Brasileira de Cardiologia, cerca de 400 mil brasileiros morrem todos os anos por doenças cardiovasculares, o equivalente a uma morte a cada 90 segundos. A insuficiência cardíaca é parte central desse cenário. Entre 2011 e 2021, segundo a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), foram registradas 2,5 milhões de internações relacionadas à condição somente no SUS.
Com recomendação da Conitec, o coração artificial passou a integrar o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em fevereiro deste ano, tornando obrigatória a cobertura do procedimento pelos planos de saúde. A decisão foi vista pela CardioWays como um avanço e uma oportunidade para atender à demanda nos casos em que o aparelho é indicado.
“Uma é complementar à ação do médico no consultório, ajudando a selecionar os pacientes aptos a receber o coração artificial. Por meio de uma assistência conectada e multidisciplinar, ampliamos as alternativas de tratamento e o alcance do cuidado. A outra é em conjunto com redes hospitalares, como um corpo integrado, que se dedica a fortalecer a assistência dentro do hospital, adequar fluxos, reduzir internações, trazer mais previsibilidade à operação e eficiência ao atendimento cardiológico”, explica André Chuster, especialista em insuficiência cardíaca, cofundador da CardioWays e cardiologista da Rede Mater Dei de Saúde.
Conforme a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro e o Serviço Social da Indústria (Firjan Sesi), a insuficiência cardíaca gera um gasto anual de R$ 1,4 bilhão em hospitalizações e provocou a morte de mais de 75 mil pessoas entre 2018 e 2021 no Brasil, reforçando o impacto clínico e econômico da doença no país.
Cuidado que vai além do dispositivo
O dispositivo utilizado pela CardioWays é o HeartMate 3, único do seu tipo autorizado pela Anvisa para implante no Brasil. Em 2024, foram realizadas 13 cirurgias desse tipo no país, todas na rede privada. Instalado na região interna do tórax, o equipamento não substitui o coração inteiro, mas auxilia o órgão original a bombear o sangue, mantendo um fluxo contínuo e estável e permitindo que o paciente retome atividades normais.
Para Caio Ribeiro Alves Andrade, especialista em insuficiência cardíaca, cofundador da CardioWays e coordenador de Cardiologia dos hospitais Socor, Vila da Serra e Semper, a tecnologia, por si só, não garante o sucesso do tratamento. “Nosso diferencial vai além da tecnologia. Construímos uma jornada unificada do cuidado, que abrange todas as etapas do tratamento cardiológico, da prevenção à reabilitação e da infância até a maturidade. O coração artificial é um dos recursos, sendo necessário lembrar que a saúde cardíaca precisa ser vista de maneira integrada, diante das inúmeras possibilidades que oferece”, afirma.
FONTE: O TEMPO
