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Dez detentos fugiram do Centro de Detenção Provisória de Viana II (CDPV II), na madrugada desta segunda-feira (17), utilizando uma barra de ferro retirada da estrutura das camas para quebrar a janela de policarbonato da cela. Após escaparem da cela, os fugitivos quebraram o cadeado de uma das torres de vigilância da unidade, pularam dela utilizando uma corda artesanal e escaparam para uma área de mata próxima ao complexo prisional.
Segundo informações, a fuga teria acontecido por volta da 01:00h desta madrugada, mas só foi constatada e informada ao Centro Integrado de Operações de Defesa Social (Ciodes), por volta das 03:00h. Além disso, outras celas estavam no “piripaque” (com as portas abertas, mas aparentemente fechadas), e os presos dessas outras celas já estavam prontos para fugir pela cela arrombada onde a fuga aconteceu, mas felizmente não lograram êxito.
A unidade é administrada pelo Diretor Wagner Fischer Sarmento, Policial Penal conhecido como “Gigante”. Conforme ofício enviado pelo Secretário de Estado da Justiça, Rafael Pacheco Salaroli ao Ministério Público, o diretor não possui a qualificação exigida pela Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) para ocupar o cargo. A legislação determina que diretores de unidades prisionais devem ter formação em uma das seguintes graduações: Direito, Psicologia, Ciências Sociais, Pedagogia ou Serviço Social.
A fuga reacende o debate sobre a gestão do sistema prisional capixaba e o impacto da nomeação de diretores sem qualificação técnica para a segurança das unidades e da sociedade. Nos últimos 2 meses, o Jornal ES Hoje tem noticiado em primeira mão uma série de irregularidades no sistema prisional, como a operacionalização de aparelhos bodyscan por profissionais sem treinamento para tal, além de conduções coercitivas de familiares de presos para a realização de exames ginecológicos, dentre outras falhas.
A Secretaria de Justiça do Espírito Santo (Sejus) confirmou o ocorrido e informou que dois dos fugitivos já foram recapturados pela Polícia Militar em Campo Grande, Cariacica, nas proximidades da BR-262. Os outros oito continuam foragidos. Os detentos recapturados são: Jhon Wisly Gomes Correa – Homicídio, tentativa de homicídio e infração ao ECA. Rai Pablo Souza de Oliveira – Homicídio.
Os fugitivos que seguem em liberdade são: Jhonatan Araujo de Azevedo – Tráfico de drogas, homicídio e receptação. Nilson Jonathan Soares Peres – Tráfico de drogas e homicídio.Vitor de Souza Oliveira – Homicídio, roubo, receptação e tráfico de drogas. Wemerson da Hora – Homicídio e tráfico de drogas. Ericson Henrique Lopes Avila – Homicídio, receptação e posse ilegal de arma. Ryan Inácio da Silva – Homicídio, Wagner Ferreira Nunes – Homicídio e tráfico de drogas. Wanderson Rodrigues Guimarães – Tráfico de drogas.
Os detentos Jardyan dos Santos Bento, Kelvin Rodrigues e Hiago Fraga do Nascimento não participaram da fuga. A Polícia Penal segue realizando buscas com o apoio do Serviço de Inteligência Prisional e demais forças de segurança.
O Sindicato dos Policiais Penais do Espírito Santo (Sindppen-ES) atribui o episódio à defasagem no efetivo da Polícia Penal, que compromete a segurança das unidades prisionais. “O número reduzido de policiais penais sobrecarrega os profissionais em serviço e aumenta o risco de incidentes como essa fuga. O governo do Estado autorizou um novo concurso para a contratação de 600 policiais, mas a necessidade real gira entre 1.200 e 1.500 agentes para garantir a segurança adequada”, destacou o presidente do sindicato, Rhuan Fernandes.
Desqualificação para o cargo
Além da falta de qualificação exigida pela Lei de Execução Penal, Wagner Fischer Sarmento acumula um histórico de condutas questionáveis. Em 2018, imagens de câmeras de segurança flagraram o então diretor agredindo um detento algemado. À época, Sarmento integrava o Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação da Tortura no Espírito Santo, o que gerou críticas sobre sua permanência no cargo.
Em 2013, foi processado por maus-tratos em unidade prisional (art. 136 do Código Penal), crime que envolve submeter detentos a condições degradantes, abusos disciplinares ou privação de cuidados essenciais.
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O ex-secretário de Justiça do Espírito Santo e atual diretor de Controle Interno da Interpol, Eugenio Ricas, apontou gravidade da situação de o sistema prisional capixaba ter diretores desqualificados para os cargos. “A função de diretor de unidade prisional exige alta qualificação. Quando um profissional sem preparo assume o cargo, todo o sistema é comprometido. A segurança dos servidores, internos e visitantes fica ameaçada”, ressalta.
O presidente da Comissão Estadual de Direitos Humanos da OAB-ES, Lucas Neto, destacou que é preciso pessoas qualificadas na direção das unidades prisionais. “Os gestores do Sistema de Justiça precisam ter em mente uma premissa básica da constituição: no Brasil não existe prisão perpétua. Todas as pessoas que estão presas em algum momento irão retornar a sociedade. Precisamos avançar na escolha de pessoas qualificadas para a construção de Unidades Prisionais humanizadas e voltadas ao tratamento penal, para que os direitos das pessoas privadas de liberdade sejam garantidos e a função de ressocialização seja alcançada. Quanto menos qualificados os gestores, maiores as notícias de violações aos direitos das pessoas privadas de liberdade”, frisa.
O presidente da Comissão da Advocacia Criminal e Política Penitenciária da OAB-ES e especialista em Execução Penal, Wanderson Omar Simon, ressaltou a importância do cumprimento da Lei de Execução Penal (Lei Nº 7.210 /1984).
“É de suma importância que a escolha dos diretores do sistema prisional seja realizada com base em critérios técnicos, conforme estabelecido no art. 75 da Lei de Execuções Penais, preferencialmente com formação em Direito, a fim de afastar eventuais indicações políticas ou pessoais. Isso é fundamental para garantir uma gestão eficiente e humanizada dos estabelecimentos prisionais, mediante a nomeação de profissionais que tenham o conhecimento adequado sobre os princípios legais, os direitos humanos e as melhores práticas na resolução de conflitos, a fim de garantir a ordem pública e a disciplina no estabelecimento prisional. A escolha técnica contribui para a melhoria das condições de trabalho, a segurança dentro das unidades prisionais e o cumprimento dos objetivos da pena, incluindo a ressocialização dos apenados”, pontua.
A fuga dos dez detentos do CDPV II escancara problemas estruturais do sistema prisional do Espírito Santo, evidenciando a precariedade na segurança, a falta de efetivo da Polícia Penal e as nomeações sem critérios técnicos. Enquanto os foragidos permanecem soltos, especialistas e entidades alertam para a necessidade urgente de mudanças na administração do sistema prisional capixaba.
Thauane Lima – ESHOJE