
Um estudo brasileiro multicêntrico, conduzido por pesquisadores brasileiros, traz uma nova perspectiva para o tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca, uma condição crônica e debilitante que afeta cerca de 2 milhões de brasileiros*. O estudo PhysioSync-HF, coordenado pelo Hospital Moinhos de Vento, avaliou uma técnica inovadora de ressincronização cardíaca, conhecida como estimulação fisiológica, em comparação com a abordagem convencional – um procedimento para regular os batimentos cardíacos. Com resultados robustos e um olhar voltado para a realidade e diversidade racial, social e econômica do Brasil, a pesquisa contou com o apoio do Ministério da Saúde, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS). Os resultados encontrados apontam caminhos importantes para a saúde pública e para a medicina personalizada no país, destacando-se como o maior estudo de seu tipo no mundo.
A insuficiência cardíaca, frequentemente caracterizada pelo coração dilatado e pela perda da sincronia dos batimentos, impede que o órgão bombeie sangue de forma eficaz. Para um grupo de pacientes, a terapia medicamentosa convencional não é suficiente. Nesses casos, a terapia de ressincronização cardíaca, que envolve a implantação de um dispositivo semelhante a um marca-passo, é a indicação padrão. De acordo com André Zimerman, cardiologista e head da Unidade de Ensaios Clínicos do Hospital Moinhos de Vento, e um dos autores do estudo, “a ressincronização convencional é eficaz, mas tem desafios no Brasil, como o alto custo e o fato de muitos dos pacientes não responderem bem à terapia. O acesso também impacta o tratamento dos pacientes, principalmente em regiões como o Norte e o Nordeste”.
Nesse contexto, a pesquisa que avaliou 173 pacientes, durante 12 meses, revela que a ressincronização biventricular – conecta eletrodos em ambos os lados do coração – apresentou resultados superiores na melhora da função cardíaca e redução de internações, enquanto a inovadora técnica fisiológica – insere o eletrodo diretamente no local do bloqueio elétrico, seguindo a ativação natural do órgão – mostrou-se uma alternativa economicamente mais acessível, chegando a redução de aproximadamente R$ 17 mil por paciente durante o período do estudo.
Embora a técnica biventricular tenha se mostrado superior clinicamente, a pesquisa comprovou que ambas as abordagens beneficiam os pacientes, promovendo melhora da função cardíaca, capacidade física e qualidade de vida. Com isso, o estudo oferece aos médicos brasileiros dados robustos para decisões terapêuticas baseadas no perfil e necessidades específicas de cada paciente, onde outras variáveis se mostram determinantes na tomada de decisão sobre qual procedimento seguir para cada paciente. “Diferentemente dos medicamentos, cuja biologia corporal é universal, a implementação de procedimentos varia conforme contextos regionais e suas particularidades”, afirma Carisi Anne Polanczyk, chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital Moinhos de Vento, que reforça a importância da representatividade na pesquisa. Além disso, trouxe à luz particularidades da cardiologia brasileira, como a inclusão de pacientes com doença de Chagas.
O estudo contou com pacientes de 14 cidades distribuídas nas cinco regiões do país, com 50% de mulheres e uma maioria de participantes não brancos (20% negros, 39% pardos e 1% indígena), garantindo dados mais abrangentes e factíveis à realidade local. Visto que, segundo divulgado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, o Brasil apresenta taxas de morbidade e mortalidade por insuficiência cardíaca muito maiores do que países desenvolvidos, reflexo das intensas desigualdades sociais que caracterizam o país. “Logo, olhar para a nossa pluralidade social, racial e econômica foi extremamente importante para a assertividade dos dados”, observa André D’Ávila, cardiologista no Hospital Moinhos de Vento, que completa: “Sem mencionar a dificuldade de muitos pacientes para receber um tratamento especializado, levando muitos deles a procurar cuidados médicos tardiamente.”
“Desenvolver pesquisa clínica no Brasil por meio do Proadi é transformar a diversidade de um país continental em conhecimento científico de alcance global, promovendo inovação, equidade em saúde e impacto real na vida de milhões de brasileiros”, reforça Admilson Reis, superintendente de Responsabilidade e Gestão de Riscos do Hospital Moinhos de Vento.
Os resultados, que foram apresentados em primeira mão no Congresso Europeu e Mundial de Cardiologia em Madri no dia 29 de agosto e representam um marco para o Sistema Único de Saúde, fornecendo evidências científicas nacionais para otimizar recursos e melhorar o acesso ao tratamento. “É fundamental que a ciência nacional produza dados que reflitam a nossa população, com suas características genéticas e sociais, para que os tratamentos sejam realmente eficazes”, reforça Carisi Anne Polanczyk. A robustez metodológica do estudo, com um comitê independente para avaliar os desfechos e resultados cegados para os pesquisadores, garante a credibilidade e a transparência dos dados obtidos.
O PhysioSync-HF conclui que o tratamento de condições complexas como a insuficiência cardíaca requer uma abordagem completa, que vá além da medicação, mas que a sua implementação deve ser adaptada à realidade de cada contexto. A pesquisa provou que tratamentos com dispositivos e fluxos de cuidado devem ser testados localmente e não apenas replicar evidências de países desenvolvidos. “Esse estudo fornece informações relevantes para a tomada de decisão médica que podem beneficiar diretamente o Sistema Único de Saúde (SUS), considerando tanto a eficácia clínica quanto o impacto econômico dos tratamentos”, conclui o cardiologista e pesquisador André Zimerman.
Para o CEO do Hospital Moinhos de Vento, Mohamed Parrini, é crucial que os hospitais privados de referência nacional sejam parceiros do Ministério da Saúde e “não só apoiem, como também priorizem projetos via Proadi-SUS para mostrar para o mundo o potencial das pesquisas clínicas desenvolvidas por brasileiros e para os brasileiros. O impacto disso é imensurável, porque temos a oportunidade de beneficiar diretamente o nosso sistema público de saúde.”
*Fonte: artigo “Distribuição Espacial de Mortalidade por Insuficiência Cardíaca no Brasil, 1996-2017”, publicado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, em 10/01/2022. Texto completo neste link.