Editorial | Os milionários eleitos e o divórcio democrático

As eleições municipais de 2024 no Espírito Santo trouxeram muito mais do que prefeitos, vice-prefeitos e vereadores para administrar nossas cidades. Revelaram uma paisagem eleitoral profundamente marcada pela força do dinheiro e pela ausência da diversidade socioeconômica que deveria caracterizar uma democracia representativa.

Os números das declarações de bens entregues ao Tribunal Regional Eleitoral não são meros detalhes burocráticos. São o retrato de um sistema concentrado, em que milhões de capixabas seguem votando em poucos com milhões. Patrimônios escandalosos, muitas vezes superiores a R$ 20 milhões, dividem espaço no boletim de urna com candidatos que mal conseguem pagar material gráfico. A balança está desequilibrada antes mesmo da campanha começar.

Sim, há mérito em quem construiu riqueza com trabalho e visão. E não há ilegalidade alguma no fato de pessoas ricas se candidatarem. Mas o que está em jogo aqui não é patrimônio privado, é patrimônio democrático. O Brasil, especialmente o Espírito Santo, vive um divórcio silencioso entre os donos do poder e seus representados.

Há algum tempo o poder econômico tomou de assalto a política e a política, em covarde reciprocidade, abriu os portões. A elite econômica, que já controla as grandes empresas, passou a controlar também as prefeituras, câmaras de vereadores e órgãos públicos estratégicos. Não raro, são herdeiros de velhas oligarquias, donos de construtoras, fazendeiros, acionistas de bancos e de grupos de comunicação. São gestores natos, mas para a maioria da população, gestores ausentes.

O resultado é um governo distante. Enquanto os milionários eleitos decidem sobre transporte, saúde e educação, fazem-no a partir de realidades incompatíveis com quem enfrenta ônibus lotado, fila de posto de saúde e escola sem estrutura.

Falta ao eleitor, e ao sistema político, a coragem de encarar o óbvio. A democracia não se resume ao direito de votar, mas ao direito de ser representado. E esse direito tem sido sequestrado por uma elite que transforma campanhas em investimentos e mandatos em blindagem social.

Os dados oficiais do TRE apontam o que muitos preferem ignorar. Riqueza virou diferencial eleitoral. A pobreza, por sua vez, virou obstáculo à participação. O risco que corremos é de continuar enxergando o poder público como extensão da iniciativa privada e o cidadão como cliente descartável.

É urgente reabrir o debate sobre a reforma político-eleitoral, regulamentar o uso de recursos próprios em campanha, e fortalecer mecanismos de fiscalização da evolução patrimonial. A democracia não é um condomínio fechado.

Enquanto houver um abismo entre quem governa e quem é governado, o povo continuará refém. E a política refém do dinheiro, em vez da ideia. Isso, sim, é o verdadeiro atentado ao patrimônio público.