Dia das mães: 117 crianças capixabas esperam para serem adotadas

No país, cerca de 5.238 crianças e adolescentes aguardam na fila da adoção. No Espírito Santo, a realidade não é diferente, com 117 crianças “a espera de um lar”.

O eco silencioso dos risos que nunca foram plenamente compartilhados, das mãos pequenas que anseiam por um aperto familiar, preenche os corredores dos abrigos. Ali, onde a infância deveria ser sinônimo de descobertas e segurança, o tempo se arrasta sob o peso da incerteza. Cada olhar fixo no vazio carrega a pergunta muda: ‘Quando serei visto? Quando serei escolhido?’. A espera na fila da adoção é um fio invisível que prende corações jovens a um futuro incerto, quando a promessa de um ‘lar, doce lar’ permanece, para muitos, uma canção distante.

Segundo dados do Sistema Nacional de Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Brasil foram contabilizados 34.545 crianças e adolescentes órfãos resgatados. No país, cerca de 5.238 crianças e adolescentes aguardam na fila da adoção. No Espírito Santo, a realidade não é diferente, com 117 crianças “a espera de um lar”.

Para entender a complexidade e as nuances da adoção tardia no estado, o ES Hoje conversou com assistente social Luciana Lacerda, da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja) do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES). Integrante da equipe técnica da Ceja, Luciana atua na “promoção de adoções, a orientação de famílias interessadas em adotar e a criação de grupos de apoio à adoção”.

Questionada sobre como a legislação brasileira aborda o direito à convivência familiar de adolescentes, Luciana Lacerda foi enfática: “O Estatuto da Criança e do Adolescente (Ecriad) reconhece que a convivência familiar é um direito fundamental. E quando falamos de adoções especiais — como as de adolescentes, grupos de irmãos ou crianças com alguma condição de saúde — esse direito ganha ainda mais urgência. O próprio Ecriad estabelece prioridade na tramitação dos processos de adoção para esses casos considerados de difícil colocação familiar. Ou seja, a lei já reconhece que esses meninos e meninas não podem esperar indefinidamente”.

Busca ativa

Dia das mães: 117 crianças capixabas esperam para serem adotadas
Luciana Lacerda é assistente social da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja) do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES)

A dificuldade em encontrar famílias para crianças e adolescentes com perfis específicos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) acende um alerta para a necessidade de estratégias inovadoras. Essa disparidade, segundo especialistas, reside em um “descompasso entre quem espera por uma família e quem está disponível para adotar”. Enquanto o sistema acolhe um número significativo de adolescentes, grupos de irmãos e crianças com condições especiais de saúde, o desejo da maioria dos pretendentes ainda se volta para crianças menores, geralmente com até seis anos, sem irmãos e sem necessidades especiais.

Diante desse cenário, a busca ativa surge como uma “alternativa concreta para garantir o direito à convivência familiar dessas crianças e adolescentes”. Luciana Lacerda, detalha a importância da iniciativa no Espírito Santo. “A busca ativa por famílias para crianças e adolescentes mais velhos acontece quando, mesmo com todos os esforços realizados por meio do Cadastro Nacional de Adoção, não é possível encontrar pretendentes disponíveis para determinados perfis”, explica.

Esperando por você

Um exemplo emblemático dessa atuação no estado é a campanha “Esperando por Você”, criada em 2017 pela Ceja, com a autorização da Corregedoria Geral da Justiça/TJES. O objetivo primordial, nas palavras de Luciana Lacerda, é “dar visibilidade a crianças e adolescentes que estão em instituições de acolhimento e que têm poucas chances de adoção”. A assistente social enfatiza que a ideia central é “sensibilizar a sociedade e os pretendentes à adoção, mostrando quem são essas crianças e adolescentes, suas histórias, seus sonhos, e principalmente, o direito que eles têm de crescer em uma família”.

Os resultados da campanha “Esperando por Você” têm demonstrado um impacto significativo. “Desde que foi lançada, a campanha ‘Esperando por Você’ tem mostrado resultados muito positivos. Muitas crianças e adolescentes que antes eram considerados ‘inadotáveis’ passaram a ter suas histórias conhecidas, e isso gerou um aumento significativo no número de pretendentes interessados em perfis mais ampliados”, afirma Luciana Lacerda. Para a Ceja, a campanha se consolidou como “uma das principais ferramentas da busca ativa”, com um papel crucial na sensibilização, informação e na divulgação de vidas que antes permaneciam invisíveis.

Dia das mães: 117 crianças capixabas esperam para serem adotadas
Paulo Vitor participa do programa Esperando por Você
Dia das mães: 117 crianças capixabas esperam para serem adotadas
Maria Vitória participa do programa Esperando por Você
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Caiky participa do programa Esperando por Você

A implementação da campanha, conforme a assistente social, é cuidadosamente planejada. “Há um trabalho técnico rigoroso de preparo, e, no caso dos adolescentes, nada é feito sem o consentimento deles”. Luciana Lacerda destaca o protagonismo dos jovens: “Eles participam do processo, sabem como sua história será apresentada e têm autonomia pra decidir se querem ou não fazer parte da campanha”.

O impacto dessa abordagem se traduz em histórias concretas. “Há casos de grupos de irmãos que foram adotados juntos, adolescentes que estavam há anos no acolhimento e hoje estão convivendo com famílias adotivas, e até crianças com necessidades especiais que encontraram lares cheios de afeto”, relata.

Os números comprovam a eficácia da iniciativa: “Até agora, 143 crianças e adolescentes já participaram da campanha. Desses, 44 estão hoje em uma nova família, 29 seguem em busca ativa no site e 3 estão em processo de aproximação com pretendentes habilitados”. Para a CEJA, esses dados demonstram o “impacto real da iniciativa e como a busca ativa pode abrir caminhos antes inimagináveis”.

Direitos e deveres de pais adotivos

Ao abordar os direitos e deveres dos pais adotivos em casos de adoção tardia, Luciana Lacerda explica que os pais adotivos têm exatamente os mesmos direitos e deveres que os pais biológicos. “Isso vale também para a adoção tardia. A partir do momento em que a adoção é concluída, o vínculo é definitivo — não há distinção. Eles passam a ser legalmente responsáveis por tudo: educação, saúde, afeto, cuidado e proteção. A especificidade, nesse caso, não é legal, mas sim emocional. Adotar um adolescente exige disponibilidade, escuta e preparo. Por isso, o processo é sempre acompanhado por equipes técnicas, com todo o cuidado que essas histórias merecem”.

Luciana Lacerda esclarece que no Brasil, depois que a adoção é concluída por sentença judicial, não há um acompanhamento psicossocial ou legal contínuo oferecido às famílias ou aos adotados. “A partir desse momento, o vínculo é definitivo e a criança ou adolescente passa a ter todos os direitos de filho, como qualquer outro. O acompanhamento técnico acontece apenas durante o estágio de convivência, que é a fase anterior à sentença, justamente para garantir que todos estejam preparados para esse novo vínculo. A exceção são as adoções internacionais. Nesses casos, o país de destino é responsável por realizar um acompanhamento psicossocial durante dois anos após a adoção, por meio de suas próprias equipes, que enviam relatórios periódicos ao Brasil. Esse monitoramento é parte dos compromissos assumidos internacionalmente para garantir o bem-estar da criança ou adolescente adotado”.

Em relação às consequências legais da desistência por parte dos pretendentes à adoção tardia, a assistente social diferencia as fases do processo: “É importante diferenciar a desistência durante o estágio de convivência da desistência após a sentença de adoção. Quando a desistência acontece no estágio de convivência, ainda não existe um vínculo jurídico definitivo, então não há uma punição legal, mas a situação é analisada com muito critério”, explica ela.

E continua: “O juiz, com a equipe técnica, avalia se a desistência foi motivada por dificuldades normais do processo de adaptação ou por alguma falta de preparo. Dependendo do caso, os pretendentes podem ser orientados, reavaliados ou até mesmo ter a habilitação suspensa, se ficar claro que não estão aptos a seguir com a adoção. O foco sempre é proteger o adolescente, que já vivenciou perdas e precisa ser acolhido com responsabilidade”.

Ela finaliza, alertando para a gravidade da desistência após a adoção. “A adoção estabelece um vínculo legal igual ao da filiação biológica. Ou seja, a família tem todos os deveres e responsabilidades como qualquer pai ou mãe. Se os pais adotivos decidem romper esse vínculo depois da adoção concluída, eles podem, sim, ser responsabilizados legalmente. Isso pode incluir uma ação de destituição do poder familiar e, dependendo do caso, outras medidas, já que se trata de uma violação grave do direito daquela criança ou adolescente”.

Redação Multimídia ESHOJE