
O Dia das Crianças é uma das datas mais esperadas do ano, marcada por brincadeiras, presentes e momentos em família. Mas, para famílias com crianças neurodivergentes, como aquelas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o desafio está em encontrar atividades que unem diversão, acolhimento e respeito às necessidades sensoriais de cada pequeno.
Um estudo recente publicado na revista Nature Genetics, intitulado “Decomposition of phenotypic heterogeneity in autism reveals underlying genetic programs”, reforça a importância dessa personalização. A pesquisa analisou mais de 5 mil crianças e identificou quatro subtipos clinicamente e biologicamente distintos de autismo, considerando mais de 230 traços diferentes — das interações sociais aos comportamentos repetitivos e marcos do desenvolvimento. Cada subtipo foi associado a padrões únicos de variação genética e a diferentes trajetórias de desenvolvimento, evidenciando que o autismo não é uma condição única, mas um espectro amplo que exige abordagens individualizadas e experiências adaptadas.
Nesse contexto, reconhecer a singularidade de cada criança é essencial — inclusive na hora de planejar momentos de lazer. De acordo com o Censo 2022 do IBGE, o Brasil tem 2,4 milhões de pessoas diagnosticadas com TEA, o que equivale a 1,2% da população. Desde a Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana), o autismo é reconhecido como deficiência, garantindo direitos de acessibilidade, inclusão e atendimento prioritário em espaços públicos e privados.
Como planejar um Dia das Crianças mais tranquilo e divertido
Antes de escolher o passeio ou a brincadeira, alguns cuidados ajudam a tornar o momento mais leve e previsível:
- Antecipe o roteiro: use imagens, histórias sociais ou cronogramas visuais para preparar a criança sobre o que vai acontecer.
- Crie pausas sensoriais: reserve momentos de descanso ou um “cantinho do silêncio” caso ela precise se regular.
- Cuidado com os estímulos: evite espuma, confetes e outros elementos visuais ou táteis intensos, caso a criança apresente incômodos sensoriais.
- Leve objetos de conforto: fones com cancelamento de ruído, brinquedos preferidos ou um cobertor leve podem trazer segurança.
- Cheque a acessibilidade dos locais: confirme informações sobre filas preferenciais, banheiros adaptados e áreas tranquilas.
- Utilize o cordão de girassol: esse item pode ajudar na identificação de deficiências invisíveis durante a visita.
- Adapte o espaço: reduza a intensidade da luz e dos sons para criar um ambiente aconchegante caso opte por ficar em casa.
“Dar previsibilidade à criança, por meio de quadros visuais ou avisos prévios sobre mudanças, pode diminuir a ansiedade causada por imprevistos. Respeitar os limites sensoriais também é essencial, evitando ambientes com excesso de estímulos sempre que possível”, destaca a Vice-Presidente Clínica da Genial Care, rede de cuidado de saúde atípica especializada em crianças autistas e suas famílias, Thalita Possmoser.
Passeios inclusivos e acolhedores
Celebrar o Dia das Crianças com atividades inclusivas ajuda não só a divertir, mas também a reduzir o preconceito e a promover respeito por todas as crianças. Passeios planejados para crianças autistas transformam a data em momentos de diversão, acolhimento e aprendizado sobre diversidade.
“Grande parte do preconceito contra o autismo nasce da falta de informação. Quando mostramos que cada pessoa no espectro é única e que não existe um padrão fixo de comportamento, ajudamos a derrubar barreiras sociais e a construir espaços mais inclusivos”, afirma a Vice-Presidente Clínica da Genial Care.

- Parque Lage (Rio de Janeiro, RJ)
Localizado aos pés do Cristo Redentor, o Parque Lage é uma opção gratuita e ao ar livre, com jardins amplos, trilhas fáceis e uma atmosfera calma. Ideal para piqueniques e caminhadas em família, permitindo uma experiência tranquila em meio à natureza.
- Museu Catavento (São Paulo, SP)
Repleto de experiências interativas e educativas, o espaço é uma boa opção para estimular a curiosidade de forma tátil e visual. Dividido em quatro seções principais: Universo, Vida, Engenho e Sociedade e com mais de 200 instalações, o Museu Catavento é considerado um dos museus mais interativos da capital paulista. Ele oferece experiências científicas e educativas. Muitas atividades permitem exploração tátil e visual, e por isso, é importante ver a programação das instalações para entender qual atividade será melhor para a criança. O local é acessível para cadeirantes e possui áreas mais silenciosas para pausas sensoriais. Para ter acesso ao museu e suas instalações é necessário retirar uma senha e verificar a disponibilidade.
- BioParque do Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Com conceito de bem-estar animal e acessibilidade ampliada, o zoológico foi reformado para oferecer acessibilidade a pessoas com deficiência, incluindo crianças autistas. O parque conta com áreas abertas e amplas, minimizando o risco de superlotação. Os sons dos animais e das áreas de visitação são naturais e menos agressivos do que os encontrados em parques urbanos. Há também espaços de descanso e acesso prioritário em filas. Crianças com TEA podem obter meia-entrada mediante apresentação de laudo médico, e seus acompanhantes também podem ter descontos.
- Fazendinha Pet Zoo (Cotia, SP)
Esse espaço ao ar livre permite que as crianças interajam com animais em um ambiente controlado e seguro. O contato com a natureza e os bichos pode ser altamente benéfico para crianças autistas, promovendo estímulos sensoriais de forma gradual e agradável.
O local possui áreas abertas e menos barulhentas, permitindo uma experiência sensorial mais tranquila. O contato com os animais é guiado e pode ser ajustado conforme o nível de conforto da criança.
Pessoas com deficiência entram gratuitamente, e um acompanhante tem direito a meia-entrada.
- Jardim Botânico de Curitiba (Curitiba, PR)
Espaço ideal para caminhadas tranquilas, piqueniques e observação da natureza, o Jardim Botânico de Curitiba oferece um passeio de baixo impacto sensorial. As estufas e jardins são acessíveis e oferecem estímulos suaves, ótimos para fotos e momentos de calma.
Além disso, o espaço é amplo, o fluxo de visitantes é bem distribuído e há áreas para descanso, tornando-se uma boa escolha para crianças que precisam de ambientes mais calmos.
- Oceanic Aquarium (Balneário Camboriú – SC)
O Oceanic Aquarium é um dos maiores aquários do Brasil, proporcionando uma experiência imersiva com mais de 140 espécies aquáticas de diferentes partes do mundo. O espaço conta com um ambiente controlado, garantindo um passeio tranquilo e educativo para crianças autistas.
O aquário possui rampas de acesso, espaços amplos para circulação e iluminação controlada, reduzindo estímulos visuais intensos. Além disso, oferece informações visuais sobre os animais e um ambiente climatizado, contribuindo para o conforto sensorial das crianças com TEA.
- Beto Carrero World (Penha, SC)
O parque possui um programa de Atenção Prioritária, garantindo acesso preferencial às atrações para crianças com TEA e seus acompanhantes. Além disso, os funcionários são treinados para lidar com necessidades específicas.
Algumas atrações podem ter barulho intenso ou luzes piscantes, então é recomendado utilizar fones de ouvido com cancelamento de ruído para maior conforto. Crianças com TEA podem entrar gratuitamente, e um acompanhante tem direito à meia-entrada.
- Animália Park (Cotia, SP)
Um parque de diversões temático voltado à educação ambiental, com atrações adaptadas e acessibilidade para diferentes necessidades. O parque oferece um ambiente controlado, com guias sensoriais para crianças que necessitam de menor exposição a estímulos visuais e sonoros intensos. Além disso, há espaços de descanso e filas preferenciais.
Crianças com deficiência e um acompanhante pagam meia-entrada.
Atividades inclusivas para fazer em casa
Nem sempre é preciso sair de casa para viver momentos especiais no Dia das Crianças. O ambiente doméstico, por ser previsível e seguro, pode oferecer experiências ricas de interação, aprendizado e diversão. O importante é respeitar o ritmo da criança, adaptar o nível de estímulo e valorizar seus interesses. Veja algumas sugestões:
- Sessão de cinema adaptada
Uma tarde de cinema em casa pode ser uma atividade divertida para as crianças, proporcionando estímulos visuais e auditivos, além de incentivar a imaginação. Essa atividade pode ser feita como um momento de descanso após brincadeiras mais agitadas. É importante limitar o tempo de exposição às telas e estabelecer previsibilidade sobre o momento em que o uso será permitido, integrando essa orientação na rotina diária.
- Brincadeiras com texturas
Brincadeiras com massinha e argila podem ser ótimas, desde que a criança se sinta confortável e interessada. Explorar jardins sensoriais, aproveitar piscinas aquecidas ou brincar em bolinhas também são opções envolventes para estimular os sentidos.
- Atividades motoras
As habilidades motoras fundamentais incluem movimentação (andar, correr, pular, rolar, escalar), equilíbrio (flexionar, girar) e manipulação (arremessar, chutar, pegar). Criar um ambiente com diversos estímulos motores e sensoriais é essencial para o desenvolvimento da criança. Algumas sugestões: circuito motor, túnel, caminho de almofadas, brincadeiras de pular, carrinho de mão e carrinho de pano.
- Interação com animais
A interação com animais proporciona uma excelente oportunidade para as crianças com TEA expressarem emoções e afetividade. Visitar ambientes como chácaras e sítios ou até mesmo interagir com animais de estimação pode ser extremamente enriquecedor, sempre respeitando os limites individuais de cada criança.
- Histórias personalizadas
Ler ou criar juntos histórias com os personagens preferidos da criança fortalece o vínculo afetivo e estimula a linguagem. É possível incluir elementos da rotina para ajudar na compreensão e na antecipação de situações do dia a dia.
- Cozinhar com a supervisão de um adulto
Envolver a criança no preparo das refeições pode ser uma excelente ideia! Transforme a cozinha em um espaço divertido com brincadeiras que estimulem a adivinhação de sabores. Por exemplo, a criança pode tentar identificar um alimento de olhos fechados ou distinguir sabores como doce, salgado ou azedo. Respeite sempre as preferências alimentares da criança e use imagens para facilitar o processo, promovendo sua autonomia e coordenação no preparo supervisionado.
- Explorando os brinquedos
É necessário estimular o uso de brinquedos, por envolverem a conexão tanto da criança com o objeto como a criança com outra pessoa. Esse tipo de brincadeira exercita a exploração do objeto e do ambiente e é uma excelente oportunidade de estimular a habilidade de imitação. O ideal é que o cuidador chame a criança para brincar e demonstre como ela pode fazer isso. Itens simples, como uma bola, caixa de sapato ou balde podem ser perfeitos para criar um momento de diversão.
O lazer é um direito e também uma oportunidade de desenvolvimento. Quando as experiências são planejadas com acolhimento e respeito às singularidades, elas se tornam terapêuticas, fortalecendo a autonomia e o vínculo familiar.