Covid matou mais de 15 mil pessoas no Espírito Santo

Em 18 de março de 2020 os capixabas iniciaram uma das etapas consideradas mais difíceis na vida da sociedade no último século: o fechamentos de escolas, comércios e serviços por conta da pandemia do novo coronavírus, a Covid-19.

Com informações da Folhapress*

Em 18 de março de 2020 os capixabas iniciaram uma das etapas consideradas mais difíceis na vida da sociedade no último século: o fechamentos de escolas, comércios e serviços por conta da pandemia do novo coronavírus, a Covid-19.

O vírus, que já assustava parte do mundo, chegou ao país e fez com que autoridades dessem a ordem do “fique em casa”. O 18 de março de 2020 foi o primeiro dia de uma quarentena, que virou meses e anos.

Muitas foram as perdas, mas nenhuma maior do que vidas. A Covid deixou 1.3992.113 doentes, sendo grande parte desse todo com sintomas gripais. Em todo o Espírito Santo foram registradas 15.238 mortes de pessoas internadas pelo coronavírus.

Muitas foram as famílias que viram o adoecimento ultrapassar disso e viveram o luto. “O pior foi não ter podido dar uma despedida como ela merecia. Não podemos olhar o corpo dela, nem nos consolarmos. Minha mãe foi velada muito rapidamente com o caixão fechado, meus irmãos e eu não pudemos dar abraços como gostaríamos. Todos de máscara, mantendo a distância. Aquilo foi frio, doloroso”, relatou Michele Azevedo, filha de Maria Dulce Azevedo, que faleceu aos 60 anos em meio a pandemia.

No caso de Maria Dulce, a morte aconteceu antes de as vacinas chegaram ao Espírito Santo. Michele lembra que a mãe estava bem e que a princípio ela não imaginou que a evolução da doença fosse ser tão rápida.

“Quando a mamãe testou positivo, ela só reclamava de garganta coçando. Depois vieram as corizas, febres e rapidamente os pulmões tomados. E ela se isolou e fez tudo o que era orientada, mas de nada adiantou”, diz a filha.

Gilberto Pereira foi outra vítima que morreu aos 78 anos, mesmo tendo sido vacinado com a primeira dose, deixando 4 filhos e oito netos. “Papai usava máscara, fez o que tinha que fazer, mas não tivemos a mesma sorte de outras famílias que, felizmente, viram e viveram a doença, mas passaram. Meu pai foi fumante durante décadas e quando a Covid-19 chegou eu temia muito que ele adoecesse. Mas, enfim, pudemos dizer que fomos felizes com os mais de 40 anos de convivência”, relata Pedro Paulo Pereira, filho mais novo.

Mensagens

A curadora e psicanalista Jéssica Balbino, 39, perdeu a amiga Ivone. Ela tinha 40 anos e 70% do pulmão comprometido pelo vírus. Quem lhe contou foi o marido dela, que no fim respondia as mensagens que a mulher, já inconsciente, recebia no celular.

Jéssica acompanhou o desenrolar da doença. Em trocas por áudio, Ivone dizia se sentir como se tivessem “passado um trator 20 vezes” sobre o corpo. “O pior é a hora que você tosse, sabe? Você não aguenta a dor. Aí te dá umas tonturas que, se você não estiver deitada, não aguenta, você cai”.

De modo geral, ela oscilava entre se sentir melhor e registrar dores e cansaço. Deu “Glória a Deus” quando a amiga disse que enviaria um remédio e soro fisiológico. Avisou depois que estava no hospital, “mas tem que esperar vaga, tá tudo ocupado”.

Quando Nilson, o marido, assumiu seu WhatsApp, foi para dizer que a esposa havia sido transferida para o setor de tratamento intensivo. Jéssica disse que tudo ficaria bem e ele respondeu: “Se Deus quiser”. Ivone deixou quatro filhos e dois netos.

Despedidas que não aconteceram

O advogado Eric Pestre, 48, lembra do pai pedindo que não fosse até sua casa porque estava “com um febrão, gripão”, melhor não arriscar. Já tinha tomado uma dose de imunizante, então estava mais confiante, apesar do esquema vacinal incompleto. “Falou assim: bom, pelo menos já sei o seguinte, posso ficar doente, mas pelo menos disso eu não morrerei”.

Para o psicanalista Christian Dunker, autor de “Lutos Finitos e Infinitos”, a pandemia provocou fenômeno similar àquele de um pós-guerra ou estresse pós-traumático. Depois de perdas em série e de uma sensação iminente de catástrofe, vem um período em que a gente parece que quer esquecer, não quer falar mais daquilo, o tema vira aversivo.

“É como se a gente tivesse que, por alguma razão de luto, interromper o processo e dizer ‘agora acabou’. Mas, justamente, essa interrupção tem efeitos traumáticos em geral. Acaba gerando efeitos de agressividade, de inquietude”.

O luto que Dunker chama de “mal encaminhado”, sem os devidos ritos fúnebres, dificultou a superação. “É como se aquilo estivesse ainda em ‘acontecência’, como se não tivesse sido propriamente reconhecido, tramitado, aceito em toda a sua profundidade. O luto é um processo de fato coletivo, que envolve cerimônias”.

O psicólogo Clayton Moleiro, pesquisador de um grupo de estudos sobre a morte no Labô (Laboratório de Política, Comportamento e Mídia), da PUC-SP, aponta que, se a pandemia nos privou desses rituais de despedida, “trocas de mensagens, fotos, vídeos e áudios podem compor o repertório de elaboração da perda”.

Já ouviu no consultório que “as memórias tecnológicas ajudam em momentos de saudade, enquanto outros pacientes preferem evitar”. E isso não tem a ver com esquecer, reforça Moleiro, “mas talvez com lembrar de outras formas”.

Redação Multimídia ESHOJE