Como tornar a volta às aulas mais segura e inclusiva para crianças autista

Ambiente sensorialmente adequado, formação docente e diálogo com as famílias são essenciais para garantir pertencimento e aprendizado

- Sampaio_Freepix

O retorno às aulas costuma ser um momento de expectativas, reencontros e novos começos. No entanto, para crianças autistas, essa transição pode ser marcada por desafios únicos, que envolvem desde a sobrecarga sensorial até barreiras na comunicação com professores e colegas.

No Brasil, mais de 600 mil estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) estão matriculados na educação básica, segundo dados do Censo Escolar de 2023. Mas a simples presença na escola não garante, por si só, uma experiência segura e significativa.

“Segurança para uma criança autista não é só não se machucar fisicamente — é poder existir sem violência emocional, sem ser forçada a se comportar como uma criança neurotípica. É ter sua forma de sentir e expressar o mundo respeitada”, afirma o Professor Nilson Sampaio, especialista em inclusão de pessoas com TEA e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

Segurança emocional e sensorial

O conceito de segurança na escola precisa ser ampliado. Embora a acessibilidade física seja essencial, a inclusão de crianças autistas demanda atenção especial a fatores menos visíveis, como o excesso de estímulos, mudanças bruscas de rotina ou ausência de mediação qualificada.

“Um ambiente com muito barulho, luz intensa e movimentação caótica pode ser sufocante para uma criança autista. Segurança é também conseguir respirar, se regular e se comunicar — mesmo que de formas não convencionais”, destaca Sampaio.

Para ele, escolas verdadeiramente inclusivas precisam considerar essas questões na arquitetura do espaço, na organização das rotinas e, principalmente, na postura das pessoas que compõem a comunidade escolar.

Apesar dos avanços legislativos e da crescente matrícula de alunos com TEA, a formação continuada de professores ainda é escassa. Segundo o professor, muitos profissionais chegam à sala de aula sem qualquer preparo para lidar com a neurodiversidade.

“O autismo não tem um manual único. Cada estudante tem singularidades e necessidades específicas. Por isso, é urgente que as escolas invistam em formação continuada, supervisão especializada e um trabalho conjunto com as famílias”, aponta.

Previsibilidade é cuidado

A rotina é uma aliada poderosa no processo de inclusão. Muitas crianças autistas têm necessidade de previsibilidade para se sentirem seguras. Por isso, quadros visuais, horários estruturados e explicações antecipadas de mudanças na rotina são recursos indispensáveis.

“Ferramentas como agendas ilustradas, mapas da escola ou roteiros do dia ajudam a criança a se preparar emocionalmente. Previsibilidade é uma forma de respeito”, diz Nilson.

Ele também defende que toda a equipe escolar seja conscientizada sobre autismo. “Incluir não é tarefa só do professor da sala. É um compromisso coletivo com o bem-estar da criança.”

Família e escola: uma ponte fundamental

O professor enfatiza que a escuta das famílias é um dos pilares da inclusão segura. “Os cuidadores conhecem melhor do que ninguém os sinais, os limites e os potenciais da criança. São aliados valiosos e precisam ser tratados com respeito e abertura.”

A parceria entre família e escola, segundo ele, não pode se resumir a bilhetes na agenda. Deve envolver reuniões regulares, planejamento conjunto e disposição para ouvir críticas e sugestões.

Tornar as escolas mais seguras para crianças autistas é um ato de justiça e de responsabilidade social. Requer investimento, formação, escuta ativa e o abandono de modelos capacitistas e padronizadores.

“A escola deve ser um espaço onde todas as crianças possam existir com dignidade. Quando falamos em segurança, falamos também em pertencimento. Nenhuma criança deve ter medo de ser quem é para poder aprender”, conclui Nilson Sampaio.

A partir desse princípio de pertencimento, é necessário agir com responsabilidade e planejamento. Tornar a escola um ambiente seguro e inclusivo para crianças autistas exige visão coletiva, sensibilidade e compromisso com práticas embasadas em evidências. Quando combinadas de modo estruturado — com preparo prévio, ajustes ambientais, apoio formativo e políticas públicas — essas ações não só acolhem, mas ampliam o potencial de cada criança. A volta às aulas, nesse contexto, torna-se uma oportunidade para promover uma cultura escolar em que todas as crianças aprendem, se desenvolvem e se sentem pertencentes.