‘Cheque em branco’: Prefeito de Colatina terá amplos poderes sobre verbas”

Projeto enviado à Câmara autoriza movimentação de até 35% do orçamento e permite novos empréstimos sem limites nem detalhamento; críticos alertam para risco de endividamento e enfraquecimento do controle público

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026, encaminhado pelo prefeito Renzo Vasconcelos à Câmara Municipal de Colatina, traz uma autorização considerada ampla demais por especialistas e analistas de finanças públicas.


Entre as brechas mais graves, o texto permite ao prefeito remanejar até 35% do orçamento total, equivalente a cerca de R$ 349 milhões, sem nova autorização legislativa. Além disso, o projeto também autoriza a contratação de empréstimos junto a instituições financeiras — sem definir valores, prazos ou destinação dos recursos.

Na prática, o texto concede ao Executivo uma liberdade inédita para movimentar dinheiro público, o que tem sido chamado por observadores de um “cheque em branco” nas mãos do prefeito.

O projeto estima a receita e fixa a despesa do município em R$ 998,6 milhões para 2026, distribuídos entre 20 órgãos e secretarias.
As áreas de Saúde (R$ 292,9 milhões) e Educação (R$ 269,9 milhões) concentram mais da metade dos recursos, o que em tese reforça políticas sociais.
Mas outras pastas com menos transparência, como Gestão e Desenvolvimento de Pessoas (R$ 121 milhões), Sanear (R$ 78 milhões) e Empreendimentos Especiais (R$ 13,3 milhões), aparecem com dotações elevadas sem detalhamento claro de onde ou como o dinheiro será gasto.

Enquanto isso, áreas essenciais como infraestrutura rural (R$ 5,1 milhões) e meio ambiente (R$ 1,8 milhão) receberam fatias modestas do orçamento.

O artigo 5º do projeto é o ponto mais polêmico. Ele autoriza o Executivo a abrir créditos adicionais suplementares de até 35% do valor total do orçamento, e o artigo 6º estende a mesma prerrogativa à Câmara Municipal.

Na prática, essa autorização significa que o prefeito poderá mudar o destino de centenas de milhões de reais — tirando verba de uma secretaria e colocando em outra — sem precisar pedir aprovação dos vereadores.

Em municípios de porte semelhante, o percentual normalmente não passa de 10% a 20%. Em Colatina, a proposta eleva o limite ao máximo histórico.
Especialistas em orçamento público consideram que essa margem excessiva esvazia a função fiscalizadora do Legislativo e abre caminho para o uso político das verbas, já que o prefeito poderia alterar prioridades definidas pela própria Câmara na aprovação do orçamento.

Outro ponto crítico é o Artigo 9º, que autoriza o prefeito a contrair empréstimos junto a bancos e instituições financeiras “para execução de investimentos e/ou despesas de grande relevância e interesse público”.
Nenhum valor é estipulado, tampouco há informações sobre instituições credoras, prazos, taxas de juros ou projetos específicos.

Com essa redação genérica, a Prefeitura pode contrair novas dívidas sem consultar novamente o Legislativo — o que representa um risco fiscal concreto, já que os pagamentos de juros e amortizações afetariam orçamentos futuros.

Economistas ouvidos pela reportagem avaliam que o texto transforma a LOA em uma autorização aberta para endividamento, sem qualquer amarra de controle.

“O artigo é vago e perigoso. Ele permite endividar o município em nome de investimentos não detalhados. Isso compromete gestões futuras e desequilibra as finanças públicas”, avalia um especialista em contas municipais ouvido sob reserva.

O documento ainda prevê ajuda financeira a entidades sem fins lucrativos em áreas como cultura, esporte e assistência social, mas não define critérios de seleção nem valores máximos.

Outro ponto é a previsão de receita otimista, estimada em quase R$ 1 bilhão, baseada em projeções de crescimento sem detalhamento técnico. Caso as receitas não se confirmem, a Prefeitura pode enfrentar dificuldades para manter pagamentos e investimentos, gerando déficit orçamentário.

APROVAÇÃO

O projeto foi enviado à Câmara com linguagem formal e técnica, pedindo “apoio na aprovação de importantes matérias envolvendo o orçamento e o desenvolvimento de ações públicas”.
Mas, na prática, o texto entrega ao prefeito autonomia para definir como e onde aplicar centenas de milhões de reais durante o ano, sem precisar justificar as mudanças.

A Comissão de Finanças e Orçamento será responsável por emitir parecer antes da votação. No entanto, se o projeto for aprovado sem emendas restritivas, a Câmara renuncia à sua principal função: fiscalizar o uso do dinheiro público.

Com R$ 998,6 milhões previstos, o orçamento de 2026 reflexo do aumento da arrecadação municipal e das transferências estaduais e federais.
Contudo, a falta de detalhamento nas metas e o alto grau de liberdade concedido ao Executivo tornam o documento um instrumento de poder mais político do que técnico.

Em termos práticos, o PLOA 2026 pode permitir que o governo mude o destino de verbas sem debate público, contrate empréstimos sem limite e distribua recursos a entidades sem critérios definidos.