
Mais do que uma fraude econômica, a falsificação de bebidas alcoólicas é um problema de saúde, afirmam especialistas. A Seção de Física e Química Legal do Instituto de Criminalística da Polícia Civil de Minas Gerais, onde são feitas as análises de produtos apreendidos para se saber se são falsos, aponta que as substâncias encontradas nas garrafas apreendidas podem até matar.
No último dia 24, o Super Notícia acompanhou o trabalho no Instituto de Criminalística, onde, segundo o perito criminal Yuri Machado – com quase uma década de experiência –, as análises já detectaram substâncias altamente tóxicas em bebidas adulteradas, como metanol, etilenoglicol, iodo e até pesticidas.
Segundo Yuri, como forma de baratear o custo da bebida, os falsificadores alteram a quantidade e a qualidade do álcool na produção da bebida. Eles deixam de usar o álcool próprio para consumo e utilizam o metanol, empregado na desinfecção de ambientes, e o álcool usado pelo setor de cosméticos, que têm custo menor. “Todas essas substâncias causam impactos ao organismo humano, como levar à cegueira ou à morte, dependendo do nível de consumo”, afirmou Yuri.
Segundo o perito, a falsificação de bebidas tem ficado mais sofisticada no país. “Pessoal usava iodo (para dar cor), o que é muito grosseiro. Falsificações grosseiras são pegas muito facilmente. Então, eles estão fazendo uma falsificação mais apurada, o que exige mais atenção da sociedade”, completa Yuri.
Coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), Mariana Thibes afirma que uma das substâncias encontradas em bebidas falsas mais perigosas à saúde é o metanol. Ela explica que o produto é altamente tóxico e causa, como efeito imediato, depressão do sistema nervoso central.
“Então, ele vai dar uma sensação de sonolência, de tontura, de confusão mental, além de desconforto abdominal, dores de estômago, vômitos. No médio prazo, pode causar cegueira por danos irreversíveis ao nosso nervo óptico. Também leva a problemas circulatórios e respiratórios e danos nos rins. É importante lembrar que nem sempre esses sintomas aparecem de imediato, muitas vezes eles levam algumas horas para aparecer depois que o álcool foi consumido, o que até dificulta o diagnóstico e o tratamento, porque, às vezes, a pessoa não associa ao consumo de álcool”, disse.
De acordo com Priscila Reis, gastroenterologista do Hospital Felício Rocho, o uso de álcool impróprio pode levar à embriaguez mesmo ingerido em pequenas quantidades e até provocar a morte. “Geralmente, o álcool industrial que eles utilizam, o álcool etílico, pode ser extremamente prejudicial à saúde, porque esse ele é metabolizado no fígado. Isso pode levar à falência hepática aguda, ou seja, o fígado fica agudamente intoxicado e pode ter um comprometimento importante da sua função e eventualmente até vir a parar de funcionar”, afirma.
Sonegação em bares fomenta o crime
Apenas repressão não é suficiente, avalia o especialista em segurança pública e professor da Universidade Universo Jorge Tassi. Ele entende que, para combater a falsificação de bebidas alcoólicas, é preciso um trabalho de inteligência e fiscalização feito pelas forças de segurança em conjunto com a Receita Federal e as estaduais. O objetivo é fundamentalmente coibir a ação de parte dos comerciantes do setor de bares, restaurantes e boates que, na avaliação de Tassi, sustentam o comércio de bebidas falsificadas quando compram um produto ilegal e mais barato e o revendem como se fossem originais, para aumentar lucros.
“São várias empresas trabalhando assim, e não necessariamente são pequenas. Você não terá, provavelmente, esse problema com grandes supermercados e atacados. Mas principalmente com bares e restaurantes, onde você não vê a garrafa da qual vem a bebida”, afirma. De acordo com o especialista, forças de segurança e órgãos fiscais precisam aumentar ações de fiscalização para verificar a documentação de estabelecimentos e fazer as apreensões necessárias. “Não é uma operação de polícia ‘normal’. É preciso inteligência, repressão e fiscalização com as Receitas”, completa.
Procurada, a Receita Federal em Minas informou que atua em operações e que o valor comercial retirado de circulação, referente a bebidas falsas e contrabandeadas em Minas, cresceu 184,9% entre 2019 e 2023, e passou de R$ 146 mil para R$ 416 mil. A Receita Estadual não respondeu à reportagem.
Investigação no centro de BH
Uma força-tarefa de Polícia Civil, Ministério Público e Polícia Militar, entre outros órgãos, investiga desde o início do ano a falsificação de bebidas conhecidas como “pitchulinhas”, que estariam sendo vendidas no centro de Belo Horizonte. De acordo com a delegada do Departamento Estadual de Combate à Corrupção e a Fraudes (Deccof), Elyenni da Silva, as apurações começaram após moradores em situação de rua apresentarem problemas de saúde. Eles seriam os principais consumidores das bebidas, que são baratas.
Lojas que comercializam o produto já foram vistoriadas e, conforme as investigações, há indícios de irregularidades, conforme a prévia de laudos que estão sendo feitos pela polícia. Os produtos estariam sendo produzidos na região metropolitana da capital, mas, até então, ninguém foi preso.
Outro lado
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) informou em nota que é “crucial que as bebidas vendidas sejam originais” e que a entidade orienta os empreendedores para que a compra dos produtos seja feita em “distribuidores legalizados e com qualidade comprovada, de forma a garantir a segurança e a satisfação dos consumidores, além de contribuir para a integridade do mercado”. Por fim, a associação disse que colabora com as entidades reguladoras e fiscalizadoras, “além de trabalhar com a indústria na educação de consumidores, trabalhadores e empreendedores”.
FONTE : O TEMPO