Autora fala sobre autoconhecimento, liderança e bem-estar no ambiente corporativo

Em entrevista exclusiva ao Folha do ES, Andréa Krug, consultora e autora do livro Vai encarar? revela os desafios de liderar com propósito, destaca a importância da saúde mental nas empresas e compartilha lições de mais de 35 anos de atuação em RH

Andréa Krug é psicóloga, consultora em liderança e cultura e autora do livro “Vai encarar? O guia definitivo da sobrevivência na liderança”. - Foto: Liliane Dantas -

Na última terça-feira (28/05/2025), a psicóloga e consultora organizacional Andréa Krug concedeu uma entrevista descontraída ao Folha do ES, na qual falou sobre sua trajetória, a evolução da liderança e os desafios do bem-estar corporativo. Reconhecida nacionalmente, Andréa é autora do livro Vai encarar? O guia definitivo da sobrevivência na liderança (veja matéria recente sobre o livro publicada no Folha do ES no clicando no título) e acumula mais de três décadas dedicadas à gestão de pessoas.

“Eu quis trabalhar com recursos humanos quando recursos humanos ainda não existia”, relembra.

Desde o início, apostou na valorização do capital humano e participou de momentos históricos:

“Eu fiz o que hoje é a Claro, literalmente a terceira pessoa a entrar na empresa, quando nem nome tinha ainda”.

Também viveu o turbilhão das fusões da Brahma com a Ambev, da Telemar com a Oi e da Oi com a Brasil Telecom, experiências que moldaram sua visão sobre gestão e mudança organizacional.

Após anos em cargos executivos, incluindo passagens internacionais como responsável pelo desenvolvimento de talentos na América do Sul para a TIM italiana, Andréa migrou para a consultoria. Seu envolvimento na elaboração de programas de desenvolvimento humano e processos de gestão de mudança foi decisivo.

“Na virada de 2009 para 2010, eu comecei a pensar em me tornar consultora, e desde 2016 sigo como consultora independente”, relata.

A liderança como habilidade — e não dom

Um dos principais pontos defendidos por Andréa é a desmistificação da liderança como um talento nato: “A liderança é uma habilidade, não é um dom. Se é habilidade, se desenvolve”.

No entanto, ela pondera que há pré-requisitos importantes: “Você será muito melhor nessa habilidade se tiver características que te colocam nesse lugar, como habilidades de persuasão, além de querer, de fato, liderar”.

Seu livro, construído a partir de experiências práticas e das dores relatadas por líderes que atendeu, busca justamente ajudar quem se encontra despreparado ao assumir posições de comando.

“Quando as pessoas querem ser líderes e viram líderes, parece que aí começa a encrenca. Eu brinco que é a maldição da prece atendida”, diverte-se.

Autoconhecimento como ferramenta essencial

Para Andréa, a liderança exige antes de tudo autoconhecimento:

“Ninguém lidera os outros sem antes liderar a si mesmo”. Ela exemplifica: “Eu sou acelerada, deixo passar muita coisa. Então, trago para o meu time quem tem o que eu não tenho”.

Segundo ela, o autoconhecimento permite reconhecer forças e limites, delegar com eficiência e montar equipes complementares.

Com clareza e humor, Andréa lembra de uma lição pessoal:

“Eu confundo, às vezes, assertividade com agressividade. Já recebi esse feedback e venho, há anos, trabalhando para mudar”.

Para ela, esse é o verdadeiro papel do autoconhecimento:

“É um trabalho de coragem. Você vai ter que lidar com as coisas que não são tão legais em você”.

Bem-estar nas empresas: muito além do compliance

Outro tema central da entrevista foi a saúde mental nas organizações.

“Até 2024, eram projetados 472 mil casos de afastamento por doenças mentais no Brasil”, alerta Andréa, criticando o tratamento superficial que muitas empresas dão à saúde ocupacional: “Saúde não tem preço, mas tem custo. E as empresas ainda não se atentaram para isso”.

Segundo ela, as atitudes mais simples podem gerar ambientes mais saudáveis:

“Conversa, acolhimento. Tá tudo bem? Como você está? Isso já resolve 90% dos problemas”.

Ela reforça que lideranças precisam praticar a escuta ativa e estar atentas aos sinais dos colaboradores:

“O presenteísmo (quando o funcionário está presente fisicamente, mas ausente mentalmente) é um dos maiores custos ocultos das empresas”.

A transição do comando para a influência

Andréa critica os modelos ultrapassados de liderança baseados em comando e controle:

“O gestor que opera assim não vai sobreviver. Precisa sair desse modelo e começar a trabalhar muito mais no sentido da influência e do exemplo”.

Ela defende que o líder contemporâneo deve inspirar, delegar e confiar:

“Quando você é líder, não é cobrado pelo que faz, mas pela habilidade de inspirar o outro a fazer”.

Tecnologia: um recurso, não uma muleta

Sobre a adoção de tecnologias como inteligência artificial e analytics, Andréa é taxativa:

“Ajuda demais, mas não adianta pegar o mesmo processo ruim e colocar um robô. Precisa rever o processo primeiro”.

Ela acredita que a análise de dados pode fornecer insights valiosos:

“Já vi casos em que gestores com baixa competência de comunicação tinham áreas com mais acidentes de trabalho. Com dados, fica mais fácil intervir”.

O legado e o futuro

Perguntada sobre o que a motiva após 35 anos de carreira, Andréa responde com simplicidade:

“Pessoas. Esse bicho que a gente olha e fala: o que vale pra Chico não vale pra Francisco”. Seu livro é, para ela, um “give back” (ato de retribuição): “Como é que eu posso ter tido tanta generosidade na minha vida profissional e não tentar deixar alguma coisa parecida com um legado?”.

Sobre novos projetos, Andréa não descarta:

“Tem muita gente me tentando… Talvez venha uma obra mais leve, para a gente rir. Porque a gente também precisa aprender dando gargalhada”.

Andréa Krug é psicóloga, consultora em liderança e cultura e autora do livro “Vai encarar? O guia definitivo da sobrevivência na liderança”. – Foto: Liliane Dantas

Aos líderes, deixa um conselho:

“O tempo que você gasta desenvolvendo pessoas retorna para você de forma absurda. Invista nisso”.

E aos trabalhadores:

“Quem quer se dar bem na carreira precisa compreender onde manda bem e onde não manda tão bem assim. Quando ouvir um feedback negativo, não ache que seu chefe é horrível. Pare, escute de novo”.

Em um mundo corporativo cada vez mais acelerado, Andréa Krug deixa claro: o verdadeiro diferencial está na capacidade humana de se conhecer, aprender e transformar.

Livro: Vai Encarar? / Autora: André Krug

Marcelo Vicente Martelete – Folha do ES