As cidades brasileiras carregam um erro de origem que insiste em cobrar sua fatura. Foram erguidas sem a visão de futuro necessária. Foram projetadas para sobreviver ao presente, nunca para suportar as décadas seguintes. Hoje, a conta chega com força: rios transbordam, ruas viram canais improvisados e bairros inteiros se tornam reféns de alagamentos previsíveis. Nada disso é fenômeno “inesperado”. É consequência direta de um sistema enterrado e invisível, obsoleto e negligenciado.
Os pioneiros construíram tubulações estreitas, de bitolas erradas, incapazes de suportar o crescimento urbano. Essas redes antigas permanecem lá embaixo, sufocadas, saturadas e completamente disfuncionais. A cada chuva forte, revelam o óbvio: não servem mais. Precisam ser removidas, substituídas, reconfiguradas. Enquanto isso não acontece, os prejuízos seguem se acumulando em sequência. Todo ano. Toda enchente. Todo verão.
A situação se agrava porque falta o mínimo. Falta manutenção rotineira. Falta limpeza de bueiros. Falta desobstrução das galerias. Falta compromisso com a engenharia e com o planejamento urbano. Em vez disso, prefeitos preferem pintar praças, refazer calçadas e entregar obras superficiais. Não enfrentam o que realmente importa. Não descem ao subsolo das cidades, onde está o problema estrutural que define a qualidade de vida urbana.
A gestão pública insiste em tratar enchentes como fatalidade natural. Não é. É falha técnica. É omissão política. É incapacidade de pensar a cidade como organismo vivo, que depende de drenagem eficiente, de saneamento robusto e de infraestrutura compatível com a realidade climática atual.
Reconstruir cidades não significa apenas erguer viadutos e avenidas. Significa abrir o chão, refazer redes, atualizar sistemas, dimensionar tubulações, modernizar a engenharia que não se vê. Significa assumir que a estética urbana não pode vir antes da funcionalidade. Significa compreender que a água sempre vence quando a cidade insiste em ignorar sua própria base.
É hora de parar de empurrar lama com a barriga. As cidades precisam de obras estruturantes, profundas, técnicas e corajosas. Do contrário, continuarão submersas—não apenas pela chuva, mas pela incompetência de quem as governa.
