Em democracias frágeis, os desvios de conduta não surgem de forma acidental. Eles se alimentam do silêncio cúmplice. No Espírito Santo de 2025, esse silêncio institucional, político e social tem permitido a corrosão contínua da moralidade dentro das estruturas públicas, especialmente nos episódios que envolvem condutas sexuais inadequadas praticadas por agentes investidos de autoridade. Não se trata de casos isolados. São sinais de um ambiente que adoeceu.
Não é necessário que um grande escândalo envolvendo figuras do alto escalão estoure para que a gravidade da situação seja compreendida. O problema real está na naturalização de pequenas imoralidades praticadas por servidores, chefias intermediárias, vereadores do interior e agentes de segurança que se aproveitam do cargo para assediar, constranger e intimidar. A cada denúncia abafada, a cada sindicância interna conduzida para proteger reputações, a cada vítima orientada a não “criar problema”, o poder se distancia de sua função original e o Estado falha em sua missão básica de proteger quem é vulnerável.
Existe um denominador comum nessas situações. A cultura do cargo. O vício institucional de transformar funções temporárias em feudos pessoais. Quando a política, seja municipal ou estadual, permite que vícios se acumulem nos bastidores, cria um ambiente perfeito para abusos. Servidoras são intimidadas, mulheres são coagidas e profissionais jovens se tornam dependentes de superiores que usam a máquina pública como moeda moral e sexual.
O aspecto mais vergonhoso está na postura de muitos gestores públicos que recorrem ao discurso fácil da defesa de valores cristãos, da família e da moralidade, mas se mostram incapazes de enfrentar com firmeza episódios de assédio dentro de suas próprias administrações. A ética virou ferramenta de marketing. A decência foi reduzida a slogan. A dignidade, que deveria ser o fundamento do serviço público, se tornou detalhe dispensável.
Não se trata de exagerar casos. Trata-se de não esconder o que está diante dos olhos. Há um buraco moral evidente em parte da estrutura pública capixaba. Ele se aprofunda sempre que prefeitos, vereadores, secretários e chefes de repartição tratam denúncias de assédio sexual como mal-entendidos ou tentativas de “politização”.
Poder sem controle se transforma em abuso.
Abuso sem punição se transforma em cultura.
Cultura sem resistência se transforma em tragédia pública.
O Espírito Santo precisa romper essa lógica. Precisa de gestores que enfrentem e não abafem. De corregedorias que protejam vítimas e não reputações. De políticos que compreendam que moralidade pública não é peça decorativa para campanhas. É regra estrutural.
Enquanto essa mudança não acontecer, os monstros seguirão crescendo nos corredores, protegidos por portas fechadas e alimentados pelo silêncio daqueles que deveriam combatê-los.