
Representantes da comunidade LGB (lésbicas, gays e bissexuais) anunciaram, no último dia 19, sua “independência” do movimento LGBTQIA+, que engloba também transexuais, queer, intersexo, assexuais e outros “gêneros”. O vídeo com o anúncio, que soma quase 12 milhões de reproduções nas redes sociais, foi publicado pela organização LGB Internacional, que conta com representação no Brasil.
Na prática, o grupo tenta se dissociar das pautas ligadas à identidade de gênero – como as demandas de trans, travestis e não-binários – e manter o foco apenas em questões de orientação sexual.
A LGB International foi formalizada em setembro deste ano e já conta com representação em 18 países. Em sua missão, diz promover e defender os direitos e interesses de LGBs com base em sexo biológico e orientação sexual, sem adotar políticas relativas à identidade de gênero.
Na campanha lançada no dia 19, lésbicas, gays e bissexuais de vários países fazem declarações contundentes, como “já estamos fartos de pronomes” e “os direitos dos gays não podem ser contrários aos direitos das mulheres”.
“Misturar as pautas LGB com questões de identidade de gênero é prejudicial para nós, porque promove o apagamento da nossa orientação sexual, que é baseada no sexo, e não é uma identidade subjetiva que uma pessoa adota”, explica Mariele Gomes, uma das diretoras Aliança LGB Brasil – representação brasileira da LGB Internacional.
“Há uma grande discordância entre o que seria sexo e gênero. Para nós, o sexo é dividido entre macho e fêmea; é uma realidade material imutável. Ao substituir o sexo por gênero, como o movimento trans propõe, apaga-se a definição do que é mulher e homem e também a de orientação sexual”, prossegue.
Oposição à identidade de gênero e a tratamentos de transição
Apesar de o movimento estar ganhando mais adesão nos últimos anos, a demanda é antiga. A LGB Internacional representa uma tentativa de ampliação a nível global do que foi iniciado pela LGB Alliance – uma organização fundada no Reino Unido em 2019 que atua na defesa de direitos de lésbicas, gays e bissexuais sem alinhamento com o chamado ativismo LGBTQIA+. Para a entidade, as lutas pelos direitos dos homossexuais devem se concentrar apenas na orientação sexual.
O ponto central de oposição é a crítica à ideia de que uma pessoa pode se perceber e se declarar de um gênero diferente do sexo biológico com que nasceu – conceito conhecido como “identidade de gênero”. O grupo também é um forte opositor dos tratamentos médicos de transição de gênero, que têm se popularizado em vários países, inclusive em crianças. No Brasil, por exemplo, o Hospital das Clínicas da USP chegou a fazer bloqueio hormonal em uma criança de 10 anos.
“Defendemos o direito de adultos e jovens de amadurecerem, desenvolverem e explorarem sua sexualidade e personalidade sem ideologia de identidade de gênero. Crianças devem ser protegidas de tratamentos médicos de transição. Combatemos a desinformação prejudicial sobre identidade de gênero, que têm como alvo específico lésbicas, gays e bissexuais”, diz comunicado no site da LGB Internacional.
Bandeiras trans são prejudiciais a lésbicas, gays e bissexuais, diz entidade
Para o movimento LGB, algumas bandeiras abraçadas por ativistas LGBTQIA+ têm prejudicado diretamente seus membros.
“Quando associam o casamento entre pessoas do mesmo sexo a coisas como transição de crianças, apagamento das palavras ‘mãe’ e ‘mulher’, linguagem neutra forçada, redefinição de mulher como sentimento e negação da orientação sexual baseada no sexo, o resultado é simples: rejeição. As pessoas rejeitam o que não entendem, o que percebem como absurdo e acham que nós concordamos com tudo isso”, diz uma publicação oficial da Aliança LGB Brasil.
“As organizações LGBTS começaram como voltadas à orientação sexual, mas foram cooptados para as questões de identidade de gênero até um ponto em que não se fala mais sobre questões voltadas à orientação sexual, mas sim uma agenda massiva de pautas sobre trans e identidade de gênero”, lamenta Mariele.
Polêmicas recentes sobre trans no Brasil
O lançamento da campanha acontece em meio a duas polêmicas sobre vantagens de transexuais em competições esportivas no Brasil. A primeira aconteceu no dia 6 de setembro, em um campeonato de futebol amador feminino em Campo Grande (MS). Após a equipe Fênix escalar uma atleta transexual, a técnica Bárbara Augusta Santana, da equipe Leoas, informou à organização que seu time não entraria em campo.
“Eu disse que não colocaria minhas meninas em risco. Eu respeito as pessoas que não se identificam com seu gênero biológico, mas aquela pessoa continua tendo DNA e formação masculina. É mais rápida, mais forte, poderia machucar com uma bolada, um carrinho”, explica.
“Minha equipe é formada por mães solo, personal trainers, enfermeiras, motoristas de aplicativo, que lutaram muito para conquistar um espaço no futebol feminino. Não podem colocar sua integridade física em risco, nem abrir mão do direito de jogar exclusivamente entre mulheres”. Desde o episódio, a equipe Fênix tem acusado a equipe adversária de “transfobia”.

Câmara Municipal de Campo Grande (MS) entregou Moção de Apoio à equipe Leoas após episódio envolvendo atleta trans (Foto: Luiz Gustavo/Assessoria vereador Rafael Tavares)
O segundo caso tem proporções maiores, e envolve a skatista trans Luiza Marchiori, que fez sua estreia na categoria feminina no domingo (21) e foi campeã brasileira. Sua última competição havia sido no masculino, em 2023, tendo eliminação na primeira fase.
Segundo matéria do UOL, Marchiori é acusada de violência doméstica e sexual por cinco ex-namoradas da época em que a skatista ainda se via como homem. À época da reportagem, a defesa da atleta informou que as denúncias se tratavam de “transfobia”.
Em nota à Gazeta do Povo, a advogada da skatista, Larissa Krétzër, disse que “em um dos processos já foi reconhecida a extinção da punibilidade da atleta, o que demonstra a fragilidade das imputações que vêm sendo divulgadas. Reitera-se, igualmente, que alcançou-se a readmissão de Luiza Marchiori nas competições oficiais de skate na categoria profissional, o que reflete a confiança das entidades esportivas em sua integridade e capacidade atlética”.
Posicionamento de entidades LGBTQIA+
A Gazeta do Povo enviou pedido de posicionamento à Aliança Nacional LGBTI+ e à Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). A primeira entidade evitou manifestar-se sobre o movimento de ruptura e apenas enviou uma resolução de março deste ano, em que pontua as visões da entidade (leia na íntegra).
Já a Antra não respondeu ao contato da reportagem. No entanto, publicou nota oficial dizendo que “Todo LGB transfóbico é um traidor”. A organização afirma que “trata-se de uma estratégia segregacionista que, uma vez fortalecida, pretende marginalizar pessoas trans”.
FONTE: GAZETA DO POVO