Projeto de Circulação do livro ‘Negros do ES’ promove ações educativas em Kennedy

Autoras da obra, Carla Osório, Leonor Araujo e Adriana Bravin participaram, nos dias 20 e 21 de setembro, de debates voltados à difusão do conhecimento e à preservação do bem cultural afrodescendente

O livro Negros do Espírito Santo, de autoria da fotógrafa documentarista Carla Osório, da historiadora Leonor Araujo e da jornalista Adriana Bravin, chegou com seu Projeto de Circulação aos municípios de Cachoeiro de Itapemirim e Presidente Kennedy, no sul do Espírito Santo. A iniciativa visa promover ações educativas em comunidades negras e quilombolas, voltadas à difusão do conhecimento e à preservação do bem cultural afrodescendente.

Entre as histórias de mestres de saberes e culturas contadas na obra, que resgata o patrimônio imaterial e as formas de resistência socioeconômica e cultural de comunidades negras e quilombolas do Estado, estão a de Dona Canuta, mestra da tradição do Caxambu de Cachoeiro, e do Mestre Sebastião Daniel Vasconcelos, representante do samba do Morro do Zumbi, também no município.

O Projeto de Circulação já passou, em agosto, por Vitória e Serra, na região metropolitana, e por Santa Leopoldina, na região serrana. Neste mês de setembro, promoveu ações em Conceição da Barra e São Mateus, no norte, e se encerra nas cidades da região sul.

Para Carla Osório, as atividades serão uma oportunidade única de retornar às comunidades pesquisadas há 26 anos, trabalho que culminou na primeira edição do livro, relançado em versão atualizada em julho deste ano em Vitória. “Espero que essa troca entre as pesquisadoras e os membros das comunidades seja muito rica no que refere à trajetória histórica dos negros capixabas”, ressalta.

O projeto, que também vai realizar a distribuição gratuita da obra para entidades educacionais, culturais e associativas, foi viabilizado pelo Ministério da Cultura por meio da Lei Rouanet, com patrocínio do Instituto Cultural Vale. A produção é da editora Cousa.


Negros do Espírito Santo – a obra O livro reúne ao todo 59 fotografias em preto e branco de Carla Osório, com textos de referência histórica para abertura de cada capítulo, reunidas numa publicação de 160 páginas. A documentação fotográfica é acompanhada de
informações pesquisadas durante seis anos por Leonor Araujo, somadas a depoimentos contados por Adriana Bravin.

A obra é disponibilizada também em versão acessível, nos formatos Audiolivro e Daisy (Digital Accessible Information System, sistema de informação digital acessível), que é um sistema de livros digitais sonoros com o objetivo de ajudar pessoas com deficiência visual ou com dificuldades de acesso a materiais escritos tradicionais, se consolidando como mais uma ferramenta de inclusão no mundo da leitura.

As pesquisas foram realizadas em comunidades rurais e urbanas com grande contingente populacional negro, explorando temas como as permanências, reconstruções e novas práticas dentro da trajetória histórico-cultural desses grupos. Negros do Espírito Santo se consolida como um verdadeiro dossiê sobre a participação de destaque dessas comunidades na vida social, econômica e cultural dos capixabas, com marcas na economia, no artesanato, na culinária, nas letras, nas artes, na religião e na defesa de direitos sociais.

Para Leonor Araujo, a reedição do livro, além de histórica, tira do apagamento a história do povo negro do Estado e oferece um texto pedagógico, que pode ser utilizado em escolas, famílias, igrejas e comunidades quilombolas. “É uma obra ainda inédita, que não tem outras semelhantes se considerar o que ela traz para o cenário literário, cultural e fotográfico capixaba”, afirma. Leonor enfatiza, ainda, a interseccionalidade do livro, produzido por mulheres com idades, profissões e formações diferentes, que se juntaram para dialogar, contar e, principalmente, ouvir a história do povo negro do Espírito Santo.

Os depoimentos contam histórias de mestres de saberes e culturas como a Dona Cizalpina, referência viva da trajetória dos negros escravizados trazidos para o Porto de São Mateus, no norte do Estado; do Mestre Antônio Rosa, da Banda de Congo Folclore de São Benedito, da Serra; e do Mestre Miúdo, guardião de memória do Caboclo Bernardo, da Vila de Regência, em Linhares, também na região norte.

“A tradição oral, na cultura negra, representa uma forma de preservar a memória e manter acesa a ancestralidade. Nós estivemos presencialmente em todas essas comunidades e conhecemos e convivemos com as pessoas entrevistadas. Foi um trabalho tanto de ordem jornalística quanto antropológica, que permitiu trazer histórias que não estão registradas em livros didáticos do Espírito Santo”,
aponta Adriana Bravin.

Negros do Espírito Santo também revive as trajetórias da Mestre Dona Margarida, que exerce o ofício das paneleiras de Vitória; do Mestre Sebastião Daniel Vasconcelos, representante do samba do Morro do Zumbi, em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado; da Mestra Canuta Caetano, da tradição do Caxambu de Cachoeiro; do Mestre Hermógenes Lima da Fonseca, pesquisador de cultura popular de Conceição da Barra, no norte; do Mestre Antero, do Ticumbi do Bongado da Vila de Itaúnas; e ainda do congo mirim da Serra.

“Talvez o aspecto mais importante deste trabalho, entre tantas outras qualidades, seja justamente o lugar de fala da autora das fotografias, porque ela faz parte das situações e se faz parente das gentes enfocadas, então cada imagem é como se fosse um autorretrato especial, feito com rara sensibilidade e técnica primorosa. O resultado está aí, um retrato do povo negro capixaba e de seu cotidiano de norte a sul do Estado, o primeiro do gênero, pela abrangência e profundidade, enriquecido pelos textos da jornalista Adriana Bravin e da historiadora Leonor Franco de Araujo”, exalta o antropólogo, fotógrafo e pesquisador brasileiro Milton Guran, que assina o prefácio da segunda edição do livro.

Sobre as autoras
Carla Osório
Mestre em Ciências da Comunicação, na vertente mídia e cultura pela Universidade Paulista (Unip). Como fotógrafa atua há 35 anos documentando a diáspora africana nas Américas, além de países como Portugal, Angola e África do Sul. Por meio de uma perspectiva afrocentrada, criou um vasto arquivo de fotografias, além de trabalhos audiovisuais.

Leonor Franco de Araujo
Professora Doutora do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com histórica atuação como gestora, acadêmica e militante social na pauta em defesa das políticas antirracistas. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Oniruúrú: África, Islã, Diáspora Africana e Estudos Anticoloniais. Consultora especialista em Educação das Relações Étnico-Raciais. Com
diversos livros e publicações lançados, coordena a coleção “Religiosidade” com a editora Barlavento.

Adriana Bravin
Doutora em Comunicação, é professora do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto. Atuou como jornalista, pesquisadora e ativista da comunicação e da cultura popular no Espírito Santo. É autora da obra “Congopop: mídia, música e identidade capixaba” (2008). Dedica-se atualmente à pesquisa e extensão junto aos movimentos de resistência à mineração em MG.

FONTE: KENNEDY EM DIA