Israel e Irã: a guerra entre o "sujo e o mal lavado"

Enquanto o mundo escolhe lados entre dois regimes autoritários, a história bíblica continua sendo manipulada para justificar violações modernas dos direitos humanos e da soberania dos povos.

A escalada do conflito entre Israel e Irã reacende debates que vão muito além da geopolítica. Quando argumentos religiosos e identitários moldam decisões internacionais, a tragédia se impõe como destino. Por trás das bombas, há governos autoritários que oprimem seus próprios cidadãos e uma visão distorcida da história que serve a interesses de poder e não de paz.

A fundação do Estado de Israel em 1948, após o fim do mandato britânico e o trauma do Holocausto, é muitas vezes apresentada como o cumprimento de uma promessa bíblica. Mas a História — com H maiúsculo — é bem menos divina e muito mais política. Desde os tempos antigos, a região foi palco de inúmeros impérios: egípcios, assírios, babilônicos, persas, romanos, árabes e otomanos. Nenhum desses regimes fundou seu domínio com base apenas em textos religiosos. Mesmo sob o domínio islâmico, durante séculos, judeus, cristãos e muçulmanos compartilharam o território, em relativa convivência, especialmente sob o Califado e depois sob o Império Otomano. A ruptura brutal veio com o colonialismo europeu, que impôs fronteiras e governos ao Oriente Médio de acordo com seus próprios interesses — e não os dos povos que ali viviam.

A criação de Israel foi uma resposta tardia à catástrofe do antissemitismo europeu, mas significou também a desintegração de comunidades palestinas que já habitavam aquela terra. A partilha da Palestina, defendida pela ONU, nunca se realizou de forma equilibrada. Em vez disso, começou uma ocupação, expulsão e expansão de colônias que dura até hoje — com uma intensidade genocida nos dias atuais. A resposta de Israel ao ataque do Hamas em 2023 foi, desde o início, desproporcional. E em 2025, não pode mais ser chamada de reação. É perseguição sistemática. É limpeza étnica. É massacre contra civis, hospitais, jornalistas e crianças.

Ainda assim, o Ocidente — principalmente setores evangélicos nos Estados Unidos e no Brasil — continua a tratar Israel como um bastião da cristandade, quando, na verdade, é um Estado judeu. Não só judeu, mas exclusivista. Cristãos palestinos são perseguidos, seus templos bombardeados, e muitos são obrigados a fugir. O apoio evangélico, baseado numa leitura apocalíptica e distorcida da Bíblia, beira o fanatismo. Afinal, por que igrejas que vivem pregando contra o judaísmo apoiam incondicionalmente um Estado judeu que não reconhece Jesus como o Messias?

Do outro lado do tabuleiro, o Irã é comandado por um regime teocrático que também oprime seu povo. O Aiatolá Khamenei comanda um sistema que persegue mulheres, executa homossexuais e silencia dissidentes. Não é por acaso que ele e Benjamin Netanyahu são parecidos demais: dois homens que usam a fé como escudo e a retórica do medo como combustível para a guerra.

A recente decisão de Israel de bombardear instalações iranianas em território persa — levando o Brasil a condenar a violação da soberania do Irã — e o fechamento da embaixada israelense no Brasil, são apenas mais capítulos de uma tragédia onde não há heróis. Há interesses econômicos, disputa por hegemonia, e, acima de tudo, povos inteiros sequestrados por regimes autoritários.

Tanto Israel quanto o Irã vivem hoje sob formas de fascismo moderno. Em Israel, o governo de extrema-direita persegue palestinos, mas também progressistas, árabes israelenses, jornalistas, minorias religiosas e opositores políticos. No Irã, a opressão se dá através da polícia moral, da censura violenta e da doutrinação ideológica. Escolher um lado nessa guerra é fechar os olhos para a opressão do outro.

A comunidade internacional precisa parar de romantizar Israel com base em promessas bíblicas ou ressentimentos históricos. E precisa também parar de ver o Irã como um bastião de resistência anti-imperialista. Ambos os países são hoje comandados por déspotas que não representam seus povos. Se há um lado que merece ser ouvido, é o das vítimas: os palestinos de Gaza, os dissidentes iranianos, os judeus que protestam contra o seu governo e os cristãos perseguidos em territórios que se dizem sagrados.

É hora de enterrar de vez a ideia de que o Velho Testamento deve orientar a política internacional do século XXI. A paz no Oriente Médio só virá com laicidade, justiça e, acima de tudo, empatia com os seres humanos — e não com as bandeiras.