Especialista aponta impactos nos diagnósticos com as atualizações da CID

CID-11 promete facilitar a comunicação entre profissionais e melhorar o atendimento de pessoas com TEA .

A 11ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), publicada em 2022, traz avanços significativos para os diagnósticos de transtornos do neurodesenvolvimento, incluindo o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). A nova versão estava prevista para vigorar a partir de janeiro deste ano, mas foi adiada para 2027 segundo resolução do Ministério da Saúde que indica a nova data “em razão das etapas de atualização dos sistemas de informação e a capacitação dos usuários e publicização”. 

A Classificação Internacional de Doenças é uma ferramenta global que padroniza diagnósticos de condições físicas e mentais, auxiliando no monitoramento de estatísticas de saúde e no planejamento de políticas públicas. Criada em 1893, a CID é atualizada periodicamente para refletir avanços clínicos e científicos, funcionando como uma linguagem comum entre profissionais de saúde em todo o mundo. 

Conforme dados da OMS, a versão atual identifica tendências e estatísticas de saúde em todo o mundo, contendo cerca de 17 mil códigos únicos para lesões, doenças e causas de morte, sustentados por mais de 120 mil termos codificáveis. Usando combinações de códigos, mais de 1,6 milhão de situações clínicas podem agora ser codificadas.

A CID-11, que substitui a CID-10, amplia a precisão diagnóstica com cerca de 55 mil códigos únicos, permitindo a codificação de mais de 1,6 milhão de situações clínicas. Além de facilitar a comunicação entre diferentes especialidades, ela é uma referência para sistemas e planos de saúde na determinação de tratamentos e registro de condições.

“É graças a ferramentas como a CID, que padroniza a classificação de doenças e condições de saúde globalmente, que países podem monitorar dados epidemiológicos, planejar recursos e melhorar os suportes de tratamento. No caso do autismo, a CID desempenha um papel fundamental ao fornecer orientações claras para o diagnóstico, ajudando pais, profissionais de saúde e educadores a identificar sinais precoces e buscar as melhores intervenções possíveis”, destaca a diretora clínica da Genial Care, Alice Tufolo.

Autismo e CID-11: o que muda no diagnóstico?

Na CID-10, o TEA era classificado como parte dos “Transtornos Globais do Desenvolvimento”, com diagnósticos separados, como autismo infantil (F84.0) e Síndrome de Asperger (F84.5). Já a CID-11, unifica essas categorias sob o código 6A02 – Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), trazendo normas e subtipos específicos e individualizados.

As principais mudanças incluem critérios ampliados, com maior ênfase em dificuldades de interação social, comunicação e comportamentos repetitivos, que agora são avaliados de acordo com os níveis de suporte necessários. Além disso, houve um detalhamento adicional, incorporando condições associadas, como deficiência intelectual, comprometimento da linguagem e comorbidades, como TDAH e epilepsia. Também foram introduzidos novos subtipos, que diferenciam os casos com base nos níveis de suporte e funcionalidade.

“Dessa forma, na versão 11 do manual existe uma unificação de todos os quadros característicos do TEA, e os diagnósticos passam a fazer parte dos Transtornos do Espectro do Autismo, que com as novas diretrizes ganha um novo código — 6A02 — e novas subdivisões”, explica Alice Tufolo. 

Nova classificação detalha o TEA em subcategorias

De acordo com a nova versão da CID, as diretrizes foram atualizadas com um novo código e subdivisões, tais como: 

6A02.0: TEA sem deficiência intelectual e com leve ou nenhum comprometimento da linguagem funcional.

6A02.1: TEA com deficiência intelectual e leve ou nenhum comprometimento da linguagem funcional.

6A02.2: TEA sem deficiência intelectual e com linguagem funcional prejudicada.

6A02.3: TEA com deficiência intelectual e linguagem funcional prejudicada.

6A02.5: TEA com deficiência intelectual e ausência de linguagem funcional.

Vale destacar que o código “6A02.4” foi excluído da versão final da CID-11 e existem ainda mais 2 subtipos de TEA nessa classificação: 6A02.Y – Outro TEA especificado; 6A02.Z – TEA não especificado.

Segundo Alice Tufolo, da Genial Care, “essas mudanças promovem diagnósticos mais precisos, permitindo intervenções personalizadas e alinhadas às necessidades individuais”. 

Mudanças nos termos “Síndrome de Asperger” e “autismo infantil” 

Seguindo o modelo do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), a CID-11 elimina nomenclaturas como “Síndrome de Asperger” e “autismo infantil” unificando-as sob o espectro do autismo.

“Ou seja, comportamentos antes associados à Síndrome de Asperger continuam sendo observados, mas agora são enquadrados no espectro com base na necessidade de suporte e intensidade das características”, explica Alice.

Atualização de laudos e diagnóstico: é necessário?

Segundo a legislação brasileira, mudanças na CID são aplicáveis a diagnósticos realizados após sua vigência. Não é obrigatório atualizar laudos antigos, mas essa atualização pode facilitar o planejamento de intervenções e garantir reembolsos médicos.

Alice Tufolo recomenda procurar os profissionais responsáveis pelo acompanhamento da pessoa com TEA para obter orientações. “Os relatórios atualizados podem ser elaborados por psicólogos ou médicos especialistas, responsáveis pela criança, o que pode auxiliar no reembolso dos planos de saúde, se necessário”, pontua. 

Diagnósticos como ferramenta, não como rótulo

Alice destaca que manuais diagnósticos e classificatórios, como a CID-11 e o DSM-5, são ferramentas essenciais para orientar práticas, intervenções e os cuidados necessários. No entanto, ela ressalta que diagnósticos não devem ser usados para reduzir uma pessoa a uma “caixinha” ou generalizar experiências.

“Diagnósticos são importantes para direcionar os cuidados adequados, mas não descrevem quem é a pessoa. Cada indivíduo é único, independentemente de ter ou não um transtorno diagnosticado” pontua a diretora clínica da Genial Care.

Ela ainda observa que é comum ativistas autistas expressarem incômodo com profissionais ou familiares que reduzem suas vivências a uma lista de sintomas, uma crítica válida que pode ser aplicada a qualquer diagnóstico. 

Com essas atualizações, a CID-11 marca um avanço significativo na forma como o TEA é compreendido e diagnosticado, fortalecendo o suporte a famílias e profissionais.

FONTE: DANIELA PIMENTA