
O Rio de Janeiro amanheceu nesta terça-feira, 11, sob mais uma operação policial digna de um roteiro de cinema surrealista. Agentes das Polícias Civil e Militar avançaram sobre o chamado Complexo de Israel, na zona norte da capital fluminense, para desmantelar um resort de luxo e uma academia com equipamentos de ponta. Ambos pertenceriam ao traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão.
Líder da facção Terceiro Comando Puro, que rivaliza com o Comando Vermelho, Peixão é hoje um dos criminosos mais procurados do Rio. Nunca foi preso. Foi ele quem batizou a região em alusão ao país do Oriente Médio.
O escolha do nome não foi aleatória. Como detalhou CartaCapital em julho de 2024, Peixão afirma que sua facção se “converteu ao Evangelho”. A conversão, no entanto, veio acompanhada de perseguição religiosa. O primeiro alvo foram as religiões de matriz africana — em algumas favelas, chegou-se a proibir o uso de roupas brancas. Depois, foi a vez dos católicos: tradicionais festas juninas promovidas por paróquias foram banidas.
Além de rebatizar o território — que abarca as comunidades de Parada de Lucas, Vigário Geral, Cidade Alta, Cinco Bocas e Pica-Pau — Peixão mandou pintar bandeiras de Israel nas paredes externas de casas. No alto de uma das comunidades, foi instalada uma estrela de Davi. O próprio traficante adotou um novo nome: Arão, em referência ao personagem bíblico irmão de Moisés. Seus seguranças mais próximos passaram a ser chamados de Tropa de Arão.
A apropriação de símbolos religiosos por facções criminosas não é novidade, mas o caso do Complexo de Israel evidencia um fenômeno mais amplo de instrumentalização da fé no contexto da violência urbana. “Cada grupo evangélico apropria-se das ferramentas que estão ao seu alcance. Os megatemplos investem em culturas arquitetônicas grandiosas e mídias digitais. As igrejas comunitárias apropriam-se melhor da convivência cotidiana, da atenção às necessidades básicas de fome, roupa, afeto. Já os grupos ligados ao narcotráfico manifestam suas linguagens através da violência, em nome daquilo que acreditam”, destacou a CartaCapital, em 2024, a pesquisadora Rita Alves, pós-doutora em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ e autora do livro Urbanidade Gospel: Megatemplos Evangélicos na Experiência Urbana. Ela pondera, contudo, que essas facções não representam a totalidade do pentecostalismo. “Essas facções não são maiores que a diversidade religiosa evangélica, que atua para o bem e faz frente contra a intolerância”, reforçou.
A operação
Imagens divulgadas pelo governo do Rio de Janeiro mostram a chegada de policiais ao “resort” de propriedade de Peixão nesta terça-feira 11. Chama atenção um lago artificial que era usado para criação de carpas. A academia, equipada com aparelhos de última geração, teve os equipamentos retirados e confiscados — segundo informações oficiais, serão reaproveitados na preparação física de agentes de segurança pública.
Moradores da região relataram intenso tiroteio desde as primeiras horas da manhã. A circulação de trens de passageiros e de ônibus foi interrompida em diversas linhas. A Avenida Brasil, uma das principais vias da cidade e um dos acessos à região do Complexo de Israel, chegou a ser interditada.
‘Resort’ construído para Peixão tem até lago artificial – Imagem: Reprodução / Governo do Estado do Rio de Janeiro
“O crime de terrorismo tem a ver com questões políticas ou religiosas. No caso do Peixão, sabemos que ele impõe uma ditadura religiosa, ele não permite certos tipos de crenças ou religiões. Ele expulsa pessoas que possuem religiões afro, candomblé, espiritismo, enfim, tudo o que não tiver com a crença que ele acredita. Não podemos permitir isso”, declarou o delegado Felipe Curi, chefe da Polícia Civil, em declarações registradas pelo G1.
FONTE: CARTA CAPITAL