100 Dias de Governo Trump: Queda nas Bolsas e Desvalorização do Dólar – O Que Esperar?"

Guerra comercial imposta pelo presidente dos Estados Unidos causa preocupação sobre as perspectivas de crescimento da economia americana, o que enfraquece o dólar e o mercado de ações por

Foto: Donald Trump -

Nem parece que foram só 100 dias. O vai e vem dos investimentos americanos vem sendo intenso desde que o presidente americano Donald Trump tomou posse no dia 20 de janeiro e logo anunciou uma guerra tarifária contra todos os seus parceiros comerciais. Contudo, o saldo é inegavelmente negativo, tanto para as bolsas americanas como para o dólar.

Enquanto os três índices de ações mais importantes do mercado (S&P 500, Nasdaq e Dow Jones) caíram até 11%, o dólar recuou 7% desde o início do mandato do republicano, já que, conforme foram anunciadas tarifas mais agressivas do que a esperada no dia 2 de abril, as preocupações sobre se a economia americana entrará ou não em uma recessão ganharam força e provocaram uma saída de investimentos para outros países, especialmente a Europa.

E por que isso aconteceu? A resposta pode ser resumida em uma só palavra: incertezas, analisa Daniel Popovich, gestor da Franklin Templeton. A falta de visibilidade sobre qual será o real impacto das diferentes políticas anunciadas torna o trabalho do analista, seja de ações ou do câmbio, que precisa estimar o valor de companhias e ativos, muito difícil.

“Há uma grande incerteza ao redor dos anúncios das políticas do governo. Um dia vem uma tarifa e pega todo mundo de surpresa. Depois você tem um recuo, e uma nova volta. Depende de quem fala dentro do governo você tem um entendimento diferente sobre quais vão ser as políticas implementadas e quais não vão. Na relação com a China, um dia o tom é super agressivo, e na outra semana não, sinalizando que haverá uma negociação ou exceção”

Por isso, desde o dia 20 de abril tanto as bolsas americanas como o dólar vêm se desvalorizando constantemente. Mas no caso das bolsas americanas as maiores quedas puderam ser observadas nos dias que se seguiram ao anúncio das tarifas universais e adicionais, no dia 2 de abril, que vieram mais agressivas que o esperado. Por outro lado, a maior alta dos mercados em um único dia ocorreu no dia 9 de abril, quando foi anunciada a pausa de 90 dias das tarifas adicionais, que podem chegar a até 49% para alguns parceiros. Naquele dia, o Nasdaq saltou 12%.

Inicialmente, o presidente americano disse que “não ligava” para a queda do mercado de ações, uma postura bem diferente do seu primeiro mandato. Contudo, quando sua política comercial agressiva começou a bater no mercado de títulos de renda fixa americano, o negócio mudou de figura, e o presidente recuou. O Wall Street Journal cita ainda como motivo para o recuo a pressão de líderes empresariais. Além deles, gestores bilionários de fundos multimercados, como o Bill Ackman, um conhecido apoiador do presidente, criticaram a rápida entrada em vigor das tarifas. Sem contar Elon Musk, que chamou o arquiteto das tarifas de “imbecil”.

Já a moeda americana vinha se desvalorizando frente a outras moedas após a posse de Trump, pois houve um movimento de maior apetite ao risco depois que o presidente optou por não anunciar as tarifas logo na posse. Contudo, a divisa voltou a se valorizar após o anúncio das tarifas no dia 2 de abril, apoiada por uma busca por segurança, especialmente no dia 4 do mês, quando a China resolveu retaliar as tarifas aplicadas pelos EUA e o dólar passou de R$ 6. “Como ninguém sabia o que de fato ia acontecer na economia global, fez com que as moedas emergentes, consideradas mais arriscadas, perdessem valor”, aponta Alexandre Viotto, diretor de mesa de câmbio da EQI Investimentos.

Mas, ao final dos 100 dias, após diversos recuos do mandatário na aplicação das tarifas, o dólar praticamente voltou aos níveis pré-tarifaço. Como a expectativa é de queda de juros, porque inflação tende a ceder, a expectativa é que a moeda americana continue a se desvalorizar, aponta Viotto.

“Fica cada vez mais óbvio para o mercado que o presidente não vai dar um tiro no próprio pé. O mercado se ajustou e vemos agora uma tendência de acomodação, com países buscando acordos com os EUA. Esse cenário não tende a mudar nas próximas semanas. Conforme os acordos saírem, devem trazer mais tranquilidade ao investidor”.

Existem diversas teorias sobre o que o presidente Donald Trump deseja ao impor tarifas ao resto do mundo. Uma delas, chamada de ‘O Acordo de Mar-A-Lago’, aponta que parte do seu plano seja desvalorizar o dólar, já que a visão econômica do governo defende que a raiz dos desequilíbrios econômicos da economia americana reside na sobrevalorização do dólar, que, por sua vez, impede o equilíbrio do comércio internacional. Até aqui, Trump parece ter conseguido atingir seu objetivo.

O que pode acontecer daqui para a frente

Em meio a incertezas, só há uma: a de que o mercado continuará cheio de volatilidade. Mas para Popovich, da Franklin Templeton, talvez ela diminua em relação a que foi vista até agora. “Ficou claro que o governo bateu em alguns limites que os fizeram recuar. Agora, a incerteza será sobre o possível impacto dessas tarifas, o que vai ser implementado, o que não vai, o que vai ser negociado ou não”.

Analistas do Goldman Sachs apontam, em relatório, que sua projeção de crescimento do PIB, de 0,5% para 2025 reflete em grande parte os efeitos negativos das tarifas do presidente. “Tarifas funcionam como um aumento de impostos: apertam as condições financeiras e aumentam a incerteza para os negócios”. Eles relatam ainda possíveis efeitos sobre a produção e o emprego, que podem surgir se os produtores dos EUA deixarem de ser competitivos caso os custos dos insumos aumentem, eles enfrentem tarifas retaliatórias proibitivas ou percam o acesso a elementos de terras raras, essenciais em várias tecnologias, desde eletrônicos e energia renovável até aplicações médicas e militares.

A projeção é que tarifas sobre alguns insumos importados subam consideravelmente, e os analistas do banco de investimentos americano estimam que isso poderia elevar os custos de produção nos EUA em 5% a 15% em alguns setores. Isso poderia tornar o país menos competitivo frente a produtores estrangeiros.

“Algumas empresas americanas podem questionar se faz sentido manter a produção nesses custos, temendo que concorrentes estrangeiros as superem em preço ou que consumidores não aceitem aumentos de preço proporcionais aos custos. O vai e vem da política comercial agrava esses riscos, pois, se as tarifas forem revertidas e os preços caírem, os produtores provavelmente teriam que absorver os custos”.

Embora a maioria das retaliações contra as exportações dos EUA tenha sido contida até agora, a tarifa de 125% imposta pela China provavelmente é alta o suficiente para bloquear a maioria das exportações americanas, analisam. Eles estimam que as exportações americanas afetadas pelas tarifas chinesas representam 0,5% do PIB dos EUA e sustentem mais de 750 mil empregos. Embora essa capacidade possa eventualmente ser redirecionada para outros mercados ou produtos, a perda das exportações para a China ter bastante impacto na economia no curto prazo.

Ainda não está claro até que ponto as novas restrições da China limitarão as exportações para os EUA. No entanto, se as exportações forem interrompidas, a produção americana de diversos produtos que utilizam elementos de terras raras estaria em risco.

Relatos recentes indicam que tanto autoridades americanas quanto chinesas estão preocupadas com as possíveis consequências das tarifas muito elevadas atualmente em vigor e gostariam de recuar. Mas se isso não acontecer, o Goldman Sachs espera que haja risco adicional de queda para sua previsão do PIB.

Para a casa de análises americana BCA, a nova política comercial dos EUA certamente terá um impacto significativo na lucratividade das empresas, já que as companhias não conseguirão repassar totalmente os aumentos de custos aos clientes. “Nossa análise demonstra que as margens devem cair em cerca de dois pontos percentuais. As revisões negativas de lucros irão se acelerar à medida que as empresas apresentarem projeções futuras mais pessimistas”.

Pesquisas feitas com clientes da BCA sugerem que o humor dos investidores por lá está sombrio: 82% esperam uma recessão ou estagflação. Ainda assim, os resultados sugerem uma falta de consenso, o que não é surpreendente em mercados obscurecidos pela incerteza política. Ante esse cenário, poucos estão dispostos a “comprar na baixa” ou esperam que o mercado atinja novas máximas. O posicionamento defensivo é a estratégia consensual.

Como investir agora

A casa de análises acredita que o posicionamento defensivo seja, de fato, a melhor estratégia. Atualmente, a BCA está posicionada acima do índice de referência no setor de Bens de Consumo Essenciais, Serviços públicos e Farmacêuticas, enquanto está abaixo do índice de referência nos setores de Consumo Discricionário e Financeiro. Recentemente, encerrou posições acima do índice de referência em Telecomunicações e abaixo do índice de referência em Tecnologia para realizar lucros.

Com as tarifas sobre produtos chineses agora fixadas em impressionantes 145%, os setores de Consumo Discricionário, Industriais e Materiais, os que mais importam, serão os mais afetados pela disputa comercial, já que não possuem o poder de precificação necessário para repassar os aumentos de preços aos clientes. Por enquanto, o setor de Tecnologia tem conseguido escapar desse impacto.

“Nossa análise indica que a margem líquida do S&P 500 cairá de 13,4% para 11,2%. Grupos dentro do setor de Consumo Discricionário, como Automóveis & Peças, Bens Duráveis e Varejo, são os mais expostos”

Setores e empresas que importam de países além da China ainda sentirão os impactos: mesmo com a recente pausa nas tarifas recíprocas, as tarifas existentes, que estavam entre 3% e 5%, aumentaram para uma taxa uniforme de 10%. O custo das tarifas provavelmente será dividido entre os exportadores, as empresas americanas e seus clientes. Como isso se desenrolará dependerá do país exportador, do setor da indústria e das empresas específicas, apontam os analistas.

A Franklin Templeton está mais próxima de posições neutras, ou seja, que fiquem em linha com os índices de representatividade de cada país na carteira. A exceção é a renda fixa americana, na qual estão abaixo do índice de referência em termos de prazo, principalmente em relação aos Estados Unidos, onde existe uma uma dúvida grande sobre como a inflação deve se comportar, além da política fiscal.

Se o cenário sobre tarifas melhorar, a BCA aponta que há muitos compradores à espera para realizar compras, o que pode fazer o mercado retornar muito rapidamente, analisa.

FONTE : VALOR INVESTE