O Ministério Público Federal (MPF) pediu para ser parte na ação civil pública que tramita na 7ª Vara Federal Cível e Agrária da Bahia, contra o corte de verbas nas instituições federais de ensino. 

A manifestação, feita pelos procuradores regionais dos Direitos do Cidadão no Espírito Santo e na Bahia, Elisandra de Oliveira Olímpio e Gabriel Pimenta Alves, respectivamente, ainda pede que a Justiça proíba a União de fazer qualquer tipo de corte nos recursos e que a decisão seja deferida liminarmente.

A ação inicialmente foi ajuizada pela Defensoria Pública da União, em conexão com diversas ações populares que possuem o mesmo objeto. 

No último dia 30 de abril, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, declarou, em entrevista, que o MEC cortaria recursos de universidades que não apresentassem desempenho acadêmico esperado e, ao mesmo tempo, estivessem promovendo “balbúrdia” em suas dependências.

Na mesma oportunidade, o ministro afirmou que a Universidade de Brasília (UNB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) já haviam sido enquadradas nestes critérios e que, em razão disso, tiveram seus repasses reduzidos. 

Além dessas, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) estaria sob avaliação quanto ao enquadramento nos critérios adotados.

“Diante da repercussão negativa, especialmente quanto aos fundamentos que ensejaram os cortes, o Governo Federal mudou o discurso e declarou que o bloqueio de verbas públicas atingiria a todas as instituições federais de ensino, na ordem de 30%, de forma linear e isonômica, em caráter preventivo, diante de novo cenário da economia e de possível redução das receitas públicas, visando atender ao disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal”, detalha a manifestação do MPF.

Critérios. No entanto, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu artigo 9º, determina que, para se promover o contingenciamento do orçamento, é necessário que se atenda aos critérios estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Para o exercício de 2019, está em vigor a LDO nº 13.707/2018.

A lei determina que alguns requisitos devem ser observados para que o Governo Federal promova o contingenciamento: apresentação de memória de cálculo, demonstração da frustração de receitas e, ainda, as justificativas dos desvios ocorridos em relação às projeções promovidas na LDO, tudo isso devendo ser submetido à Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional.

“As Leis Orçamentárias são de apreciação obrigatória pelo Congresso Nacional e a supressão de valores previamente aprovados, sem submissão ao Poder Legislativo, importaria em usurpação de competência praticada pelo Poder Executivo, violando-se o consagrado princípio da Separação dos Poderes”, diz a manifestação do MPF.

As leis orçamentárias são, acima de tudo, instrumentos de planejamento, de médio e longo prazo, no mínimo para o período de um exercício, não para o mês seguinte. 

Implementar cortes, no meio do exercício, no entendimento do MPF, subtrai do administrador as possibilidades de gerir, de forma autônoma, as finanças e o patrimônio das entidades de ensino, violando um princípio basilar da educação pública no Brasil.


Autonomia

O Supremo Tribunal Federal no acórdão RE 594.018/STF, definiu que “as instituições federais de ensino são entidades do Estado brasileiro, dotadas de autonomia suficiente para gerir seu próprio patrimônio financeiro, não se subordinando a avaliações discricionárias da Administração Pública ou de puro pragmatismo governamental”. 

Assim, qualquer medida que atinja os instrumentos de viabilização das instituições de ensino, enquanto agentes concretizadores do direito fundamental à educação, violentam diretamente a Constituição Federal.

“Não se está a falar em direitos absolutos, tampouco em soberania das instituições de ensino, contudo, não há como negar que as justificativas apresentadas pelo ministro da Educação não se mostram legítimas, configurando-se como verdadeiro desvio de finalidade, inclusive por meio de palavras e condutas que parecem desprezar a liturgia do cargo da estatura de um ministro de Estado, constrangendo toda a comunidade acadêmica do país, formada por uma maioria esmagadora de instituições, profissionais e estudantes sérios e comprometidos com a causa da educação pública de qualidade”, destaca a procuradora da República Elisandra de Oliveira Olímpio.

Audiência pública

Durante a audiência pública “Defesa da Educação: impactos dos cortes de verbas da Ufes e do Ifes”, realizada pelo MPF, no dia 10 de junho, em parceria com os Comitês de Defesa da Educação, que foram instituídos nos âmbitos do Ifes e da Ufes. 

Os reitores Jadir Pela (Ifes) e Reinaldo Centoducatte (Ufes) detalharam os cortes que foram anunciados.

Os números apresentados dão conta de que as verbas contingenciadas não abrangem despesas com pessoal, cujo montante representa cerca de 85% das despesas das entidades e sobre os quais não pode haver corte. 

Excluído esse percentual, a redução anunciada representa 38% sobre o total das demais verbas de custeio e de investimento das receitas previstas para 2019 tanto para Ufes, quanto para o Ifes.

Entre os efeitos concretos dessa redução destacam-se a impossibilidade de aquisição de material e de realização de pesquisas de campo ou de laboratório; a morte de animais em unidades agrícolas que, em alguns casos, representará perda de dez anos de pesquisa científica no campo de genética animal; não renovação de bolsas de pesquisa mantidas pelas instituições; sem contar diversos contratos administrativos que precisarão ser rescindidos, já que muitos deles já sofreram redução de quantitativos nos limites permitidos pela Lei nº 8.666/93 (lei de licitações).

Segundo as informações prestadas pelas unidades de ensino, aproximadamente 68% dos estudantes da Ufes e cerca de 75% do Ifes são oriundos de famílias cuja renda per capita varia entre zero a um salário-mínimo e meio.

Anos anteriores. Em anos anteriores, já se observava uma redução nas receitas repassadas às instituições federais de ensino, de modo que já havia um esforço por parte dos gestores no sentido de adequar seus contratos e demais despesas à realidade que se apresentava, especialmente em relação aos quantitativos inicialmente previstos.

Ainda segundo informações prestadas pelo Ifes, as limitações de empenho realizadas nos anos anteriores não inviabilizaram, via de regra, os pagamentos decorrentes de serviços prestados por terceiros, uma vez que as parcelas permaneciam liberadas, ainda que em quantitativos reduzidos, porém suficientes para honrar os compromissos assumidos.

Na atual situação, as entidades têm se surpreendido com a ausência de recursos para pagamento de seus compromissos, o que, consequentemente, gera a produção de encargos, diminuindo ainda mais a margem de recursos disponíveis para utilização.

 

Números dos processos em andamento face ao contingenciamento anunciado pelo MEC: 1011229-90.2019.4.01.3400-ACP; 1011044-52.2019.4.01.3400-ACP; 1006349-64.2019.4.01.3300-APOP; 1000514-25.2019.4.01.3000-APOP; 1011036-75.2019.4.01.3400-APOP; 1011298-25.2019.4.01.3400-APOP; 100516743.2019.4.01.3300-APOP; 1005239-30.2019.4.01.3300-APOP.