Um vídeo que mostra alunos de um curso preparatório para carreira militar repetindo frases violentas, no Centro do Recife, viralizou, nesta quinta (29), nas redes sociais. As imagens do treinamento da MAC Cursos foram gravadas no sábado (24) e publicadas na quarta (28) pelo coletivo Jornalistas Livres. A Polícia Civil e o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) investigam o caso (veja vídeo acima).

As imagens mostram crianças, adolescentes e adultos repetindo dizeres de uma canção de Treinamento Físico Militar (TFM). A letra fala em "matar, em não ter compaixão e até em beber o sangue de mortos e tomar banho em uma piscina de sangue".

"Ao descer da embarcação na aldeia inimiga causarei destruição. Matarei pela cidade, seja aleijado ou criança, menininho ou mulher. Sangue frio em minha veia congelou o meu coração. Eu não tenho sentimento e nem tão pouco compaixão", diz um trecho.

As imagens também mostram os alunos carregando mochilas, marchando e repetindo as frases ditas por um dos professores.

"Interrogatório é muito fácil de fazer. A gente pega o marginal e bate nele até morrer. Quero banhar-me numa piscina cheia de sangue. Sangue dos mortos. Esse sangue eu já bebi", afirmavam em coro durante o exercício.


A aula foi realizada em frente ao prédio do Shopping Pilar, onde o curso funciona, na Rua Imperatriz Tereza Cristina, 163, no bairro da Boa Vista. Muitos estudantes vestiam roupas com estampa de camuflagem e alguns usavam coturnos.

Uma aluna do curso confirmou para o g1 que as imagens foram feitas no sábado e disse que era uma "música normal de TFM". A reportagem tentou contato a mãe dela, mas não conseguiu até a última atualização desta reportagem.


Uma autônoma de 48 anos é mãe de uma estudante de 14 que faz o curso preparatório Unibe há quase um ano. Ela afirmou que a filha não estava na aula do sábado, mas que ficou revoltada ao saber o conteúdo da música que era recitada para que os alunos repetissem.

"A gente paga um curso tão caro para ensinar isso. Eu não concordo, o que estão fazendo é errado. São R$ 150 por mês para aprender uma profissão e não para isso. Como ele quer ensinar desse jeito? É para ensinar a se defender, a ajudar o próximo se tiver um acidente e não isso", disse.


A mulher lembrou que falta pouco para que a filha conclua o curso e disse que irá até a sede da instituição, na segunda (3), abrir uma reclamação.

"Tem que investigar. A minha filha tem 14 anos, mas tem gente ainda mais jovem. E tem aluno ali que a mãe não tem condições de pagar e ensinam esse tipo de coisa. Podia fazer outra música, mas não de violência. O que eu não quero para a minha mãe eu não quero para a mãe do filho dos outros", declarou.

O g1 também conversou com funcionárias de empreendimentos que funcionam no local, mas elas disseram não terem visto a aula acontecendo e nem presenciado nada do tipo.

Nas redes sociais do curso, algumas pessoas deixaram comentários com críticas sobre o vídeo. "Matar crianças e mulheres, torturar até matar. Que ensino 'maravilhoso' dessa escola", disse um internauta.

"Essa é a escola fascista de produz monstros né?", disse outro. As mensagens foram apagadas da rede social do Unibe Recife.

Na página da Unibe, o curso é descrito como uma preparação para ingressar nas forças militares. Eles falam que o número de aprovados "não para de crescer" e que o curso é "focado no desenvolvimento do aluno em todas as frentes importantes para aprovação".

 

EMPRESA 


A gestora de relacionamento da MAC Cursos, Jesana Rodrigues, confirmou que o conteúdo do vídeo é verdadeiro.

Segundo informações dela, um aluno puxou uma canção do Exército. Os outros repetiram. O instrutor não os interrompeu e foi suspenso pela direção.

Por meio de nota, a MAC Cursos, afirmou que recebeu "um vídeo estarrecedor". A empresa disse que "repudia qualquer música com este tipo de apologia".

Ainda no comunicado, a MAC Cursos diz que "não compactua com esse tipo de procedimento, bem como, também não instrui ninguém a fazê-lo".

"Cabe ressaltar que a MAC Cursos preza pelos princípios humanitários e prepara os jovens para concursos. Jovens estes que sonham em seguir uma vida na carreira militar. Aproveitamos para informar que não temos nenhum tipo de ideologia política, sendo totalmente neutra a posição partidária"./

A empresa acrescentou que, assim que conseguir identificar a origem deste vídeo, dará maiores explicações, "pois tomamos ciência dele há pouco".

A MAC afirmou que Unibe "é somente um sistema de ensino (material didático e suporte on line para os alunos), usado pela nossa empresa".

 

INVESTIGAÇÕES 

A Polícia Civil de Pernambuco informou, por nota, que está investigando os envolvidos no curso preparatório para jovens, no qual "integrantes agrupados são induzidos a proferir palavras de ordem com discurso de ódio".

No comunicado, a corporação disse que está instaurando um inquérito para "elucidar o fato e apurar as responsabilidades" e que houve designação em caráter especial de delegados do Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente (DPCA) para o caso.


O MPPE informou que um inquérito civil foi instaurado por meio da 22ª Promotoria de Justiça de Defesa da Educação do Recife, que iniciou a apuração dos fatos.

"Uma cópia será encaminhada à Central de Inquéritos da Capital, para conhecimento e adoção de medidas que entender pertinentes", disse, no comunicado. A portaria de instauração de inquérito civil deve ser publicada no Diário Oficial Eletrônico do MPPE da sexta (30).

Em vídeo enviado para a TV Globo, o promotor Salomão Abdo Aziz afirmou que foi determinada uma inspeção, pela Secretaria Estadual de Educação e Esportes, na sede do curso de preparação para a carreira militar, que "está supostamente estaria envolvido nos fatos".

Além disso, foi determinado que um um analista em pedagogia das promotorias de Justiça e de Educação fossem ao local dos fatos fazer um relatório.

"As peças de informação foram encaminhadas para a central de inquéritos da capital para que sejam analisados os aspectos criminais das condutas ali narradas", afirmou.

Também por nota, a Secretaria de Educação e Esportes afirmou que, até o final da tarde desta quinta, não tinha recebido a notificação sobre o caso.

O governo disse que faz um apelo aos cidadãos e autoridades para que, ao presenciarem irregularidades em escolas de educação básica públicas estaduais e privadas, façam uma denúncia à Ouvidoria da pasta pelo número 0800.286.8668, ou formalizem presencialmente em uma das 16 Gerências Regionais de Educação (GREs)". Os endereços se encontram no site www.educacao.pe.gov.br.


O QUE DIZEM OS MILITARES 

Por meio de nota, o Exército afirmou que "as canções entoadas durante as corridas são uma tradição das Forças Armadas em todo o mundo".

A instituição disse também que elas "têm como objetivo desenvolver nas tropas valores e características essenciais aos militares: espírito de corpo, coragem, camaradagem, senso do dever, civismo, tudo conforme os preceitos éticos que norteiam a instituição".

Sobre o vídeo, o Exército disse que ele "não guarda nenhuma correlação com esse propósito, razão pela qual não pode estar inspirado nas canções entoadas pelas tropas".

A instituição disse, ainda, que "não mantém nenhum tipo de vínculo com cursos que se autodenominam pré-militares na região Nordeste nem em qualquer outro lugar do Brasil".

Por nota, a PM informou que "não tem nenhuma responsabilidade sobre os cursos preparatórios para o ingresso na carreira" e que a preparação para ingresso na carreira de policial militar "deve ser escolha de cada um".